quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ford já me fez muitas destas, para dizer a verdade, com quase cada um dos seus filmes ou das suas palavras. Desta vez foi “The Long Gray Line” que me abanou. Começa logo por ser um dos gestos mais apaixonados de que me apercebi no cinema, qualquer coisa que de facto permite múltiplos espelhamentos entre a vida e os sentimentos de Marty Maher que o filme mostra e o que do próprio Ford conhecemos. Um gesto de amor e de reconhecimento que, como escreveu Luís de Pina, “evita o sentimentalismo em nome do sentimento”; “a pieguice pelo acto da verdade”. E é inacreditável que passando-se tudo entre a academia militar e a sua casa que fica logo ao lado, entre os seus interiores e os seus escassos mas majestosos exteriores, nos apareça de fronte e em tamanho tão gigante como a largura do scope, todo um indizível e inumerável desfilar cósmico de tudo o que terá a ver com o homem, a sua natureza, o mundo e os segredos. Toda esta concentração espacial, toda a mestria com que a vida de Marty vai sendo enquadrada e desvelada – elipses assim tão significantes como sensíveis, na forma como os saltos temporais vão produzindo sentidos e ligações, tão óbvios e inescapáveis como enigmáticos e incompreensíveis – num arco tão aparentemente perfeito como implacavelmente sinuoso e doloroso – o cumulo é Marty a acabar sozinho mas com os “seus” – só mesmo por alguém que acreditava e se interessava totalmente pela capacidade dos homens, da sua humanidade, è o tal lado mítico da crença. No hiato de tempo em que seguimos a entrega do instrutor, passando-se tudo e mais alguma coisa fora dali, guerras mundiais, todos os tipos de guerra, Ford elide tudo isso, todo o possível “espectáculo”, e fica a apontar a sua enorme câmara para aquele ser tão comovente e para tudo o que à sua volta gravita. Do fora só lhe chegam os estilhaços, os “seus” soldados feridos e notícias muito más, por exemplo, mas também luminosidades como a sua família da Irlanda, daí também o porquê de eu achar que naquelas duas horas e pouco que a fita dura se possa vislumbrar o absoluto. Mas obviamente que para se acreditar assim e para se entregar assim, Ford sabia, como nunca ninguém soube, que é preciso capturar tudo o que ele capta com todo o esforço e saber possíveis que isso merece, daí que cada plano, cada composição, cada pormenor, pareçam ter levado uns mil anos a serem erguidos. E, e…já alguma vez se viu cenas de engate como as de Tyrone Power a Maureen O'Hara, a bela?

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