Paul Wendkos é um caso curioso, o seu percurso sui
generis e uma vida como só antigamente dão pano para muitas mangas e demais farda.
Estudou cinema por Nova Iorque, mas também esteve na segunda guerra mundial ao
serviço da marinha. Vagabundeou por Filadélfia com o seu muito amigo David
Goodis, e em 1957 realizou o estratosférico “The Burglar” por poucas patacas. Para
a costa Oeste da grande indústria cinematográfica, e de outras grandes coisas, foi
contratado por foi Harry Cohn, chefe da Columbia, numa daquelas transferências
gloriosas que imagino que hoje em dia só se façam no futebol. A partir daí foi
combinando o cinema com a televisão, até que pelos 70 deixa praticamente o
primeiro para se dedicar à nefasta caixa de fascinante potencial inexplorado. Ao
longo da prolífica e com certeza desequilibrada carreira aos olhos dos carreiristas
sérios, tanto os Franceses dos Cahiers e doutras bandas o pensaram e elogiaram,
como foi considerado “Director who made his name as a pioneer of made-for-television
films“. Muita coisa que demorará a perceber e que eu peço perdão por condensar
tão forçadamente.
O que me traz por aqui é o seu prazeroso, e
talvez não para muitos mais do que para mim, igualmente ambíguo “Cannon for
Cordoba”, realizado em 1970, penúltima obra para cinema. Ambíguo e insubordinado,
vou insistir. À primeira vista é um meio filme de Guerra, meio Western, em que
um esfarrapado grupo de soldados Americanos têm de entrar num México ardente,
sacar os roubados canhões em questão e capturar o líder rebelde que anda a pôr
tudo e todos em polvorosa. Pode ser ainda um prato exótico no seu cruzamento e
sabotagem de géneros cinematográficos. Spaghetti, exercício estiloso, o modernismo
do Scope, o piscar de olho aos êxitos vândalos de um Aldrich ou Peckinpah. Moral
torcida e desalinho geral. Bandeira Tarantinesca. Enfim, poucos limites.
E nessa fossa vai haver muita traição,
espionagem e contraespionagem, fantochada, filhadaputice e todo o género de
baixarias que dos tempos de guerra já passaram para os tempos de suposta paz. Mas
a coisa já começa a piar fino quando vemos um vulto a ser queimado na fogueira
e descobrimos que o outro que o olha mais sofregamente e nada pode fazer, por
obrigação ao superior e à causa maior, é o seu irmão. Quando uma puta que tem
por missão usar o corpo para reter o General Cordoba que interessa, usa a
máxima falsidade para chegar à sua máxima perversidade, a todos dando baile,
inclusive a nós.
Mas muito passará pelo Capitão George Peppard,
esperto e obstinado como um Frank D. Merrill ou como um Sargento York, esse
mesmo Hannibal do “Esquadrão Classe A”, insuperável
de convicção e aceitação de si mesmo, tanto da maneira como se atira para o abismo
sempre a pique que vão abrindo, como no assunto da infame misoginia ou machismo
para lá do aceitável. Conduzindo estropiados, párrias e baladeiros calados rumo
à sua felicidade, aquela que demora e se paga na carne e na mente mas que surge
descascada de toda a aparência - no instante terrível da visão da morte, a
verdade momentânea que tudo extermina. Aqueles eternos milésimos de segundo
antes do tombo final. O essencial. E o privilégio dos tempos bélicos em relação
à calmaria podre.
Entre esse espectáculo da perspectiva ou
deslindar do ilusório, duas tiradas essenciais. “A Revolução tem muitos amigos,
porque o pagamento é bom”, no meio dela. E “O problema de ser um herói começa
no dia seguinte”. Portanto, entre a possível boa alma, a humildade do guerreiro,
um apaziguamento depois do caos ou o uso da sujidade em terreno onde ela já não
se separa do resto, ao menos a tal da lealdade interior. E para não me estar a
esquecer que alguém também diz que as máquinas são mais confiáveis do que as
pessoas. Reflexos de reflexos de reflexos e os fragmentos resultantes. Se a
paródia faz sentido é porque ali tudo o é, como quando?
De resto, entre 57 e 70, Wendkos, neste superior
uso da desmesurada horizontalidade, aplicando notáveis desequilíbrios na
lucidez da sua posta em cena que advém da lucidez do comandante e da loucura
envolvente que a todos vai sugando, conserva do noir iniciático a estranheza do
Homem e suas acções no centro do palco devorador. Indecifrável ou só claro pela
construção singular. Sinta-se as cambaleantes e distorcidas visões de quem lá
está e a tortura da subjectividade. Tudo porco e reduzido ao grão, enrodilhado
a suor e tripas. Onde vai um homem…
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