terça-feira, 29 de outubro de 2013
Quando se está no meio de muita sujidade, todos se acabam por sujar. É o que diz Edward G. Robinson, em “Tight Spot” um calmo temperamental oficial de justiça que tem mesmo de lutar contra a estrangeira máfia. Persistente meio alienado que tendo visto todos os seus trunfos para uma essencial declaração em tribunal irem parar a debaixo da terra, resolve ir à choldra e de lá retirar uma Ginger Rogers em belo loiro que no limite do medo e da pressão ainda dança e espalha outros tipos de magias. Magias, fantasias e todas as redescobertas físicas e mentais a espalharem-se do sufocante quarto de hotel onde a escondem para horizontes vastos de evasão, através do policia moribundo de Brian Keith que se aprumado e unido pela imagem de uma estátua da liberdade americana está mais escangalhado do que os que supostamente persegue. E a trama é mais um tabuleiro ou joguete onde todas as expectativas, toda a moral e lógica se pode subverter no ápice tremendo e impossível. Démarche humanista ou cruel diversão isenta de toda a convenção e lei inerente, de todas as regras para respeitar – precisamente em antros de ilusão e de lícitas amarras. Espaço geométrico para revelações há muito calcinadas e logo consciência do imperdoável tempo. Se tanto se agride ou tenta agredir Ginger, tanto ela igualmente vai agredir com variados modos.
Phil Karlson persegue e agarra tamanha dança de consciências e de afectos mais uma vez intensamente limpo, olhar e cabeça não viciada, sem enfâse nem retórica manipulativa, glorificante, sentimental, seja o que for para lá do essencial. Se como sempre leva a empreitada até ao término e limpa da face da terra muita da porcaria que a definha, tal como a sua câmara se borrifa para mimetizações fáceis e limpa e redescobre o espaço cénico que pisa, o que retira o tapete é como nessa saga se faz durar mais o tempo em que um homem está em frente a uma mulher e o desejo arde, do que à intriga que de tão baixa e usual ali não pode conspurcar a outra ainda mais antiga. Dois seres a limparem-se e a brotarem novos em conjunção e luminância, abafando a morte até ali central para o advento da nascença. Refracções e mutações a centrarem-se num ritmo ou numa música marcada a verdade. Ginger Rogers, numa personagem Capriana até ao vestido das bolinhas que se destaca pela sua aura branca em relação a todas as outras escuridões, faz cair a organização do mais forte e a teimosia do mais inflexível pela inocência e ousadia. Para um last minute rescue silencioso e assim novo que mete muita adulteração nos certos eixos. E a beleza e complexidade deste rudimentar filme de 1952 está aí, na brancura imaculada a pingar sobre a crosta mais feia e ambígua, esse Brian Keith duplamente desfigurado que se opera, Ginger e o realizador a retro escavarem tudo e a chegarem ao fundamental, que nos fala de possibilidades de redenção para cada um não importa como e que nos mostra que em certas ou erradas alturas os ínvios caminhos podem ser tão fiáveis como os oficiosos. O bem a sair do mal modificado que se revolta. O preço pago sem perdão. E acabámos no tribunal, no confronto directo e nas fundações. Sem dissimulação. A marca dos raros.
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