quinta-feira, 2 de julho de 2009

Alguns dariam a obra inteira de Elia Kazan pelo único filme realizado pela mulher Barbara Loden. WANDA (1970) continua a ser um filme desconhecido apesar de oferecer o retrato mais perturbador do cinema dos anos 70, com as mulheres sob a influência de Cassavetes.

Realizado com um pequeníssimo orçamento, sem luz, sem guarda-roupa (a personagem masculina a vestir velhas roupas de Kazan), com a ajuda de Nicholas Proferes, formado pelo cinema-verdade de Leacock, nos anos 60, que trata tanto da fotografia como da montagem, WANDA é um tiro sobre o romantismo glamouroso de Hollywood, um negativo violento de todos os Bonnie and Clyde do mundo. A personagem de Wanda permanece uma figura magnífica. (...)

Ela é o tramp, o vagabundo, rejeitado pelas ordens sociais (o que lhe dá um poder crítico considerável: o burlesco) e forçada a viver uma vida à flor do sol, perto dos dejectos, sem domicílio fixo. Mas o tramp, o vagabundo, é pela primeira vez uma mulher. E isso muda tudo. (...) Socialmente é uma mulher indigna: quando sai da cama, ela já deixou tudo: o marido e os filhos. Tem de ir ao tribunal por causa do divórcio, mas chega atrasada, hesitante e indiferente (falando do marido: "se ele quer o divórcio, de-lho."). Wanda está longe de ser uma mulher contestatária, uma rebelde, que afirma os seus desejos de toda a independência. Este retrato complexo pulveriza as outras mulheres "libertadas" dos anos 70. (...) Com WANDA, tudo é muito mais complicado: ela parece livre e ao mesmo tempo comporta-se como uma verdadeira parasita. Ela agarra-se como pode aos homens com quem se cruza no caminho e torna-se um peso morto. E aí encontra o mestre, Mister Dennis (trata-o por "senhor" como uma criança), um looser, um ladrão desajeitado. O filme decorre à medida da preparação de um assalto, falhado à partida, num grande banco, demasiado grande para eles. Mister Dennis trata-a como um cão. E na verdade ela parece um bocado estúpida. A grande ideia de Barbara Loden foi ter feito de WANDA uma personagem cómica. Ela passeia por uma parte do filme com rolos no cabelo. Fala com uma voz nasalada, frase entrecortada por soluços como se fossem pequenas síncopes. Na primeira refeição com Mister Dennis, ela nem repara que ele acabou de cometer um assalto, ou ela brinca. No entanto, comer o molho com o pão agrada-lhe enormemente.WANDA não é indiferente, ela está simplesmente disponível. Ela flutua, espera que alguém lhe pegue (também sexualmente), espera que lhe confiem algo. Primeiro está reticente quando Mister Dennis a empurra para o assalto, chega mesmo a recusar, chegando mesmo também a mostrar uma firmeza moral que até aí não se lhe conhecia. Depois, ele ralha com ela: "Podes não ter feito nada na tua vida, mas vais fazer isto". Aí , ela sente que tem uma missão, que vai cumprir, orgulhosamente. Ela quer dar o seu melhor. Um laço muito discreto une os dois, longe da fúria dos amantes em fuga que atravessam o cinema americano. É um casal improvável, mas um casal mesmo assim.Barbara Loden estava à frente do seu tempo: na inteligência, na denúncia da alienação feminina (Wanda só se pode definir em relação a um homem) e na sua exigência de inventar uma figura que não corresponde a nada que exista nem no cinema nem nos manuais de sociologia.

Pois há um momento em que temos de nos render às evidências e dizer que Wanda nem sequer é uma mulher. Cada cena vem provar a sua nulidade, Wanda é uma pequena coisa sem utilidade. Ela faz-se à estrada porque não é boa em nada ("não sou boa", repete ela no filme). Ela é despedida do trabalho porque não é suficientemente rápida. Ela nem chega a ser "uma cidadã americana", diz-lhe Mister Dennis. Ela retirou-se do mundo dos vivos. (...)Quem é WANDA? Apenas uma figura negativa? No one? A imagem final envolve numa auréola esta "singularidade qualquer" sem identidade, na linha dos anjos, dessas grandes figuras como Bartleby ou os hérois de Robert Walser. Duras não se enganou quando falou de "glória" nesta "queda"; nem Godard que vê "esplendor" nesta "miséria": na sua edição de "Histoire(s) du Cinéma sob estas duas palavras, ele põe lado a lado o rosto de Wanda e de Joana D'Arc de Bresson". A pequena Wanda é ao mesmo tempo uma alienada, uma idiota, uma mulher livre, um clown, um anjo, uma cadela. Na última sequência encontramo-la num bar, no meio de desconhecidos, eternizada com um cigarro na mão, a cabeça baixa. Gesto simples, de uma compaixão infinita. Wanda é uma santa.

Stéphane Delorme, CAHIERS DU CINÉMA, Julho-Agosto de 2003

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Unique film de Barbara Loden, la femme de Elia Kazan, Wanda est l’une de ces pépites solitaires que nous offre parfois le cinéma, scintillante et magique comme peut l’être, par exemple, La Nuit du chasseur de Charles Laughton. Scintillant, magique, la réalité que décrit le film ne l’est pourtant nullement. Wanda, interprétée par la cinéaste, est une femme en rupture de ban, laissant mari et enfants derrière elle pour errer sur les routes désœuvrées des Etats-Unis. Là, elle y fait la rencontre d’un homme qui vient de dévaliser un bar et, passivement, se laisse entraîner par lui dans sa cavale.

Nul glamour ici, aucune inscription mythologique dans le banditisme à la façon de Bonnie and Clyde : quelque chose de mat, de monochromatique, de blafard a recouvert le réel. Deux ans après le film d’Arthur Penn le désenchantement des années soixante-dix pointait son nez dans le cinéma indépendant américain (dont les oeuvres de Sam Peckinpah ou Monte Hellman s’étaient déjà faites les témoins). La route y est par excellence le lieu de ce désenchantement, d’une vie qui s’effiloche au jour le jour sans jamais construire de lendemain. Il y a une tristesse dans Wanda, celle d’un personnage qui est comme un poids mort, voué à l’inexistence sociale et qui pourtant existe à nos yeux avec une rare intensité. La fragilité, la discrétion, la naïveté de Wanda éloigne le film de toute velléité démonstrative : aucune volonté d’en découdre avec le monde, aucun rébellion ici, juste un être qui passe.

On sent bien que Barbara Loden a dû puiser en elle et dans sa relation avec son metteur en scène de mari pour décrire cette femme à la dérive et la relation qui l’unit à cet homme également largué. Mais cette dimension documentaire (l’image 16mm granuleuse aidant) butte sans cesse sur quelque chose d’irrésolu, l’impression tenace d’un lien lâche et distendu avec la vie, comme en témoigne la relation ténue qui lie les deux protagonistes. Barbara Loden inventait alors une forme tout à la fois impressionniste et légèrement surréelle, silencieuse tout en enregistrant le bruit de fond de l’Amérique. Elle est morte en 1980, dix ans après avoir réalisé ce film. Nul doute que le monde a perdu cette année là une authentique cinéaste.

Jean-Sébastien Chauvin

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