quarta-feira, 8 de julho de 2009



Vila do conde, 4

“Ruínas”, Manuel Mozos

Duas torres a serem brutalmente explodidas junto à água. Um cemitério onde nos contam duas histórias de vidas conturbadas e peculiares. Gigantescas estruturas abandonadas, deixadas ao acaso. Bairros fantasmas. Teatros dizimados. Sanatórios ainda com reverberação. Minas que um dia foram a fonte de todas as riquezas e todos os sonhos são agora paisagem sumptuosa. Etc, etc. É em correspondências secretas e dialécticas subtis e causticas que “Ruínas” faz o seu percurso.
O filme de Mozos – nos seus admiráveis e desmedidos quadros fixos e na sua luz por vezes sumptuosa, mas jamais decorativa – é assim um memorial fúnebre, habitado por vozes e contos passados, almas vindas não se sabe de onde, o que o remete imediatamente, como sempre, nos melhores casos, para o seu reverso – permite-nos e cede-nos espaço para as nossas memórias e para as nossas ficções, em constantes reenvios para o que foi, para a infância?
É a brutalidade e a potência da forma, per si, numa dramaturgia cénica do enquadramento, auxiliada pelos fabulosos ritmos de montagem, que extrai do aparentemente inorgânico, vislumbramentos e porosidades vitais aterradoras. Parece tudo morto, é verdade, mas é um mundo de possibilidades e se repararmos bem não há nada que não mexa. Um plano e um só plano de um filme de Mozos e é toda a ficção comezinha e ridícula dos Vasconcelos, dos Valentes e derivados, que cai por terra.


“Porto Mercado Aberto”, Norberto Fernandes

Muitas vezes é melhor fazer ouvidos moucos às palavras do realizador de um filme. Já o sabemos, existem na história do cinema, e de todas as artes, incontáveis casos. Dito isto e desculpando várias coisas, “Porto Mercado Aberto” é um poema-punk, libertino e incatalogavél, onde o não conhecimento por inteiros das gramáticas e das linguagens, o desinteresse pela perfeição e pelo profissionalismo, bem como a falta de meios, o que lhe tocar a música à sua maneira, reencontram e devolvem às imagens uma certa candura e uma certa inocência que ficou perdida no período mudo do cinema. Utópico e quimérico para dias de hoje, o filme de Norberto Fernandes consegue o prodígio de nos fazer acreditar que estamos noutra era onde não éramos ainda espectadores. Não é coisa desprezível.

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