Exemplo acabado da poverty row e da
sucata escondida pelos dourados da Hollywood no seu auge, série-b em
plena carburação e inventiva, o “Dillinger” dirigido por Max
Nosseck, produzido pelos irmãos King para a Monogram Pictures e
libertado da biografia para ser metido nas sombras e nas teias das
decisões e dos caminhos puramente humanos por Philip Yordan, é um
filme luxuoso. Primeiro: as peças de cenário mais ordinárias que
sobraram, os curtos planos perfeitamente enquadrados nos limites
possíveis da sugestão e do realismo duro, a fumarada em sintonia
com o destino e os actores lançados a estas feras, são centrados,
concentrados, dependentes mutuamente num universo em que confluem
todos os eternos e corriqueiros dramas sem nunca serem ditos boca
para fora, antes em plena evolução e luta. Segundo, a via nada
sacra de Dillinger volve-se via-sacra pois a tentação é o seu
cerne na medida em que é o cerne da nossa civilização e do nosso
mito. Irresistível o próximo passo, o patamar seguinte, o poder
absoluto, de onde a mulher e o seu feitiço pairam e apelam
subliminarmente. Entre o mundo do cinema e o grande legado humano, um
corpo e uma mecânica correspondente que nos insere a todos; jamais
se dúvida do fim e jamais se mata a pulsão. Max Nosseck, o fabuloso
Lawrence Tierney, técnicos e companhia, formaram uma cápsula ou uma
capela acabadíssima e harmónica, comungando os restos e a
totalidade do mesmo luxo, a inteireza. Inteireza e falha,
encontrando-se cada elemento no lugar propício e lógico do universo
lato. Se se começasse a olhar e a trabalhar o digital nesta medida e
neste alcance, sem a condicionante do disfarce e da película, o luxo
de “Dillinger” poderia servir para todos e cada qual que não
gastasse mais do que a essência; como o tanque de combustível
destinado (bela imagem sugerida pelo Bruno Andrade). Entre cidadelas e miragens, já se queima borracha e óleo e alma pelas belas e terríveis estradas de "Mad Max: Fury Road".
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