quarta-feira, 16 de dezembro de 2015


Exemplo acabado da poverty row e da sucata escondida pelos dourados da Hollywood no seu auge, série-b em plena carburação e inventiva, o “Dillinger” dirigido por Max Nosseck, produzido pelos irmãos King para a Monogram Pictures e libertado da biografia para ser metido nas sombras e nas teias das decisões e dos caminhos puramente humanos por Philip Yordan, é um filme luxuoso. Primeiro: as peças de cenário mais ordinárias que sobraram, os curtos planos perfeitamente enquadrados nos limites possíveis da sugestão e do realismo duro, a fumarada em sintonia com o destino e os actores lançados a estas feras, são centrados, concentrados, dependentes mutuamente num universo em que confluem todos os eternos e corriqueiros dramas sem nunca serem ditos boca para fora, antes em plena evolução e luta. Segundo, a via nada sacra de Dillinger volve-se via-sacra pois a tentação é o seu cerne na medida em que é o cerne da nossa civilização e do nosso mito. Irresistível o próximo passo, o patamar seguinte, o poder absoluto, de onde a mulher e o seu feitiço pairam e apelam subliminarmente. Entre o mundo do cinema e o grande legado humano, um corpo e uma mecânica correspondente que nos insere a todos; jamais se dúvida do fim e jamais se mata a pulsão. Max Nosseck, o fabuloso Lawrence Tierney, técnicos e companhia, formaram uma cápsula ou uma capela acabadíssima e harmónica, comungando os restos e a totalidade do mesmo luxo, a inteireza. Inteireza e falha, encontrando-se cada elemento no lugar propício e lógico do universo lato. Se se começasse a olhar e a trabalhar o digital nesta medida e neste alcance, sem a condicionante do disfarce e da película, o luxo de “Dillinger” poderia servir para todos e cada qual que não gastasse mais do que a essência; como o tanque de combustível destinado (bela imagem sugerida pelo Bruno Andrade). Entre cidadelas e miragens, já se queima borracha e óleo e alma pelas belas e terríveis estradas de "Mad Max: Fury Road".

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