“The Breaking Point “ é um
protótipo dos cinquenta americanos procurado por Michael Curtiz,
quinta-essência dessa terra e desse ofício, definição de
realizador, retomando águas, paixões, destinos e o muito fogo de
“Casablanca” ou de “Passage to Marseille”. Que os pergaminhos
e alguma alma tenha sido pedida a Ernest Hemingway só expõe vias e
pulsões que não se previam assim, entrando estas de rompante e
devorando as maquetas e a magia e o argumento, lado incontrolável
dos mais recônditos fundos orgânicos. Pois os timings perfeitos do
mítico filme de 1942, a encenação a milésimo de segundo
calculada, essa luz prodigiosa e dramática dos estúdios mesmo que
mais reais do que o real, fogem para o lado contrário e o que
irrompe é a câmara solta e perscrutante de Rossellini, como que ao
sabor das aragens e das marés; uma auscultação das vibrações do
meio natural e do humano como coisa uma, antes de qualquer maquinação
estilística, comunhão e compromisso do mesmo sangue do
incaracterizável “Deep Waters” de Henry King. As misérias da
terra e do mar, os problemas e o caos de todos os credos e desejos:
dos refugiados tratados como dejectos até à negociata e corrupção
rasteira que vai apodrecendo sucessiva e lentamente atingindo as
medalhas dos genocídios apocalípticos dos imperiais topos. Mas do
que se trata é evidentemente, e pela ordem inata, de histórias de
amor, da perdição e da solidão contundente; concentração e
circunscrição dos fulgores e dos rastos de uma existência. Para ser óbvio que
é John Garfield que numa das suas maiores vivências dinamita
qualquer planificação escancarando os abismos sem rede. História
de amor dele para com a sua esposa resistente às tentações
clandestinas e sociais – juntando o sorriso infantil dela antes do
sexo (uma das cenas mais secas e belas do Cinema sem se dar por isso)
ao choro limpo perto da morte no final; de Garfield para com o amigo
e parceiro e mais lágrimas por não o conseguir escorraçar e assim
salvar; e acima de tudo amor a si próprio que aguenta todas as
penúrias e humilhações daqueles que insistem em fazer, ou tentar
fazer, aquilo de que gostam pois nasceu com eles. A guerra do lobo
dos mares não é tanto para com os criminosos – isso são
estilhaços colaterais – mas essa do par e filhos e busca da
felicidade a todos reservada no princípio. John Garfield está para
lá de qualquer representação pois sabe-se da sua própria vida e
sorte, sendo impossível que isso não lhe tenha alimentado a fúria,
consumido as entranhas, dilatado as veias e tomado conta dos olhos na
película que não atenua mas amplia e descasca. John Garfield é um
vulcão jorrante e um poço sepulcral, ser comum que dá raiva e
razão a biliões de seres vivos e mortos, seja numa pequena aldeia
esquecida da nossa beira interior ou na desolada Nova Iorque dos
genuínos. A conclusão de tanto afloramento e confessionalismo, fogo
que não deixa de se misturar com o gelo em suores frios de pesadelos
nocturnos temperados com nicotina, é a criança largada no cosmos,
ao deus dará..., ponto insistente e final para onde confluiu tanta
complicação e novelo da raça. O filme deixa-nos e nada mais
veremos, a não ser um ressoar que continuará na próxima saída à
rua, pelos passeios miseráveis ou num hospital insone. Curtiz e
Garfield, o controle e a devastação, num abalo que é o movimento
perpétuo que ainda nos aguenta.
Sem comentários:
Enviar um comentário