Como combinado, foram 50 os melhores filmes ou o melhor filme. 50 melhor filme? Exactamente. E podiam ter sido 500. E podiam ter sido 1000. O melhor filme, graças a Deus e a uns cem ou duzentos cineastas, é muitos, como escrevia o Camilo. Coisas que não são destes tempos. Mas serei eu destes tempos? Se sou, não quero ser. Não quero ser dos tempos em que a IBM ganha ao Kasparov e em que os audiovisuais querem convencer o nosso Primeiro que há duzentos milhões de lusoparlantes à espera de se embasbacarem com as «audiovisualices» deles. Nem sequer é «une des plus belles escroqueries du monde».
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Muito me têm censurado o meu «reaccionarismo». Só gosto dos filmes dos tempos da Maria Cachucha. Não é verdade, porque felizmente muita gente continua a acreditar na Maria Cachucha, sobretudo quando a Maria Cachucha dorme com o tempo que é tempo e não com o tempo que finge que tempo é. Muito mais gente do que se calcula anda a filmar contra a corrente e continua a acreditar que o cinema é uma arte e não um meio de comunicação. Muito mais gente do que se calcula continua a distinguir o prazer de ver um filme, a beleza de fazer um filme, do recado deixado na folha de fax ou no gravador do ausente que naquele momento não pode atender a chamada.
Mas deixo os mais relutantes ou os mais influenciáveis a pensar num curioso fenómeno. Por mais que digam que o cinema dominante é o cinema que o público quer, de cada vez que há uma reposição, mesmo de filmes que no seu tempo estiveram longe de ser consensuais, correm-no a cinco estrelas. Podem dizer o que disserem mas ainda não os vi com coragem de dar uma bola preta a Renoir, a Mizoguchi, a Sternberg ou até mesmo a Cassavetes ou a Kubrick.
Quando a unanimidade de critica se dá, é quase sempre no passado. Como ia dizendo, deixo-os a pensar.
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Jean-Marie Straub, sempre provocador, foi até aos Cahiers du Cinema e, como bom marxista, propôs-lhes comprar a capa para o último filme dele. Responderam-lhe indignados que os Cahiers não estavam à venda. «Pois não», respondeu ele, «já se venderam». A capa dos Cahiers desse mês foi a célebre fotografia do Larry Flint com o homem crucificado nas cuequinhas da senhora.
Como escreveu Jonathan Rosenbaum, critico americano, «a decadência da critica de cinema destes últimos anos – perceptível nos hábitos da maior parte dos chefes de redacção de jornais e revistas, europeus ou americanos, e nos hábitos dos universitários americanos que se dedicam ao cinema – é um reflexo, não tanto de uma mudança de gostos do público (como normalmente pretendem todos esses especialistas) mas do poder dos grandes grupos que eliminam tudo o que possa perturbar as suas campanhas publicitárias. Tal como os chamados «cineastas independentes americanos», que Hollywood promove através do Sundance Festival, são normalmente cineastas que já perderam a sua independência, a “crítica de cinema” para o grande público é hoje, essencialmente, publicidade redaccional. Os verdadeiros independentes e os críticos tem de trabalhar à margem e na margem.»
Quanto a mim, não me queixo das margens. Têm sido bastante generosas. Só não gosto é que continuem a falar-me em nome do público, quando não é o público mas os estados e os estúdios que determinam que as coisas tenham chegado onde chegaram e o cinema dominante tenha chegado onde chegou.
Ao lembrar os 50 melhores filmes da nossa vida, resisti como pude e como posso. Dei testemunho do que vai durar contra o que parece que está para durar, para citar umas das minhas frases favoritas, de um certo Georges Bernanos.
João Bénard da Costa - OS FILMES DA MINHA VIDA, 2º volume
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