quarta-feira, 20 de agosto de 2008

«Portanto, diria: olhem, eis aqui uma coisa que existiu e que era relativamente única – o cinema. Coisas destas devem ter acontecido há quatrocentos milhões de anos (mais milhar de anos, menos milhar de anos) quando Mycenae desapareceu, ou uma determinada espécie de animal ou vegetação. E então havia qualquer coisa, uma imagem, uma imagem que era só um movimento. E essa imagem dizia-nos qualquer coisa que não queríamos ouvir. Então preferíamos, em vez de ouvir, falar sobre ela. Deste ponto de vista, se quiser, a obra é para mim a criança e a pessoa é o adulto, o pai. E algo aconteceu – a criança mostrou aos pais quem eles eram, e falou sobre ela ao mesmo tempo! E os pais não quiseram ouvir e assustaram-se. Foi a única vez nos últimos quatrocentos milhões de anos que uma certa forma de contar histórias foi “História”.
Mas para vermos isto temos que o mostrar, fazer o que Lévi – Strauss, Copérnico e Einstein fizeram. Se disser que em 1540 Copérnico introduziu a ideia de que o Sol não girava à volta da Terra, e se vir que alguns anos mais tarde Vesalius publicou “De Corporis Humanis Fabrica”, que mostra o interior do corpo humano, o esqueleto e “ecorchés”, bom, então tem Copérnico num livro e Vesalius noutro…E depois, quatrocentos anos mais tarde, tem François Jacob que diz, “No mesmo ano, Copérnico e Vesalius…”; bem, Jacob já não está a fazer biologia, está a fazer cinema. E isso é tudo o que a história realmente é. Tal como quando Cocteau dizia: “Se Rimbaud tivesse vivido mais tempo, teria morrido no mesmo ano em que Marechal Pétain”. Vê-se o retrato do jovem Rimbaud, vê-se o retrato de Pétain em 1948, pomo-los ao lado um do outro, e então tem-se uma história, tem-se “História”. Isso é cinema. A única coisa que eu queria dizer é que “só o cinema…”. De facto, começo com um capítulo intitulado “Toda (s) a (s) História (s)”, depois continuo com “Só uma História/Uma História Só”. E depois “Só o cinema”, que significa que “só o cinema fez isto”, mas também que “o cinema estava só, tão só que…”.»

Jean-Luc Godard

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