E a forma como Skolimowski trabalha essa circularidade, juntando a pureza e os actos jovens daquele homem com todos os sinais de morte e envelhecimento presentes no filme, aquele pequeno quarto como lugar de todo o fascínio e redescoberta e a atmosfera opressora e feia daquele lugar, a intriga paralela de uma violação e o presente da paixão e do encantamento, é assim tão significativa e demonstradora da própria vontade do cineasta numa segunda juventude. Pois é cinema essencial, cheio de desejo experimentador, libertador, sem atenção a qualquer convenção e sem medo algum de arriscar, de criar raccords demenciais, de inventar atmosferas. Mas se é tão próximo daquele filme de 1971 também o será, por exemplo, de “Moonlighting”, nessa vontade voraz de trabalhar cada imagem e cada som como algo absolutamente singular e possuidor de vida própria, como um velho artista que carpinteira pacientemente cada elemento da sua obra. Daí essa paradoxal crispação entre sons e imagens para tudo permanecer tão virgem e caloroso, tão conciso mas tão vibrante.
Insisto no forte sentimento infantil – de resto a banda som enche vários momentos do filme com sons que parecem advir de qualquer brinquedo – na convocação desse mundo, que tão fortemente se desprende do filme. Nesse sentido a cena final, no tribunal, é reveladora e tocante: aquele homem, um empregado de crematório e homem perfeitamente comum, só a dizer verdades e a contar a transgressão que cometeu, mas como uma criança, cheia de vergonha, prestes a corar, as palavras a saírem-lhe com dificuldade. Contra-campo para a Anna do título, que age como verdadeira rapariguinha que descobriu do que foi vitima e que mal consegue enfrentar o rapaz. E até nesse aspecto Skolimowski impõe uma distância e um pudismo que evita qualquer escorregamento para algo explicito, muito menos pornográfico, tudo aparece em surdina e visto pelo entreaberto, pelo olhar hesitante e curioso daquele personagem inesquecível. E aqueles momentos em que o homem observa o objecto da sua loucura, pela janela, no escuro, são de uma fascinação que já não julgava possível, uma excitação mesmo, com as imagens e as suas possibilidades e promessas, com os segredos a desvelar, quase como nos primórdios. E aquele muro final, todos já sabemos o que representa, quem o não souber não é deste mundo. Enfim, foram precisos 15 anos para isto voltar a ser possível.
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