quinta-feira, 31 de julho de 2008

"I wrote about many things, but when I started writing, one of the new things that I brought to Cahiers was my interest in what was exciting at that time in American cinema, meaning: horror movies. It was the time of the early films of people like David Cronenberg, Wes Craven, and John Carpenter, who are very interesting filmmakers. For Cahiers it was a revolution to write that David Cronenberg was an interesting filmmaker, or that Clint Eastwood was an interesting filmmaker. Before that, Cahiers wouldn’t touch them with a 10-foot pole. For the readers and also the older writers, it was a shock to see writing that said Honkytonk Man was a good film. I was also interested in Manoel de Oliveira whose work we were discovering at that time, and I also did a lot of simple movie journalism. It was an opportunity of opening Cahiers to the world. I was involved in doing the special issue of Cahiers on American cinema called “Made in the U.S.A.” that we published in 1982. Daney was involved, and a couple of other writers, but I was the one who was central in pulling together the whole thing. So we stayed for a few weeks in L.A.—it was a very weird time: Hollywood post-Star Wars. It was one of the worst periods in American cinema. In 1984 we went to Hong King and made the special issue on Hong Kong cinema. It was the first issue dealing with this cinema—not only its present, but also its roots. It’s still in print, people do buy it once in a while. It was the first serious Western work on popular Cantonese cinema and it was like discovering a new continent. We had no notion of who were the directors, what were the films, what were the classics…it was like discovering something completely new, which is very rare in cinema."

Olivier Assayas, aqui

quarta-feira, 30 de julho de 2008

coisas...

Carpenter/Hawks...Hawks/Carpenter

PREMINGER


O que temos em River of no Return? O encontro perfeito entre a arte de Preminger e a de Ford?
Ou seja: aquela impressionante concisão, secura e minimalidade de planos que fizeram a glória dos maiores. Dois ascéticos sem par.
Até na literalidade – veja-se o impressionante e directo final – se podem tecer afinidades.
Quando me zangar com Hollywood posso sempre voltar aqui.


MELVILLE

Le Doulos é um filme absolutamente extraordinário. E ele nada tem de aparentemente extraordinário. É, como disse um amigo meu, algo praticamente etéreo. Algo singelo.
Naquela sequência que acontece aos 27 minutos, a do assalto à mansão, podemos evocar as lições dos mecanismos do suspense e da geometria dos espaços de Alfred Hitchcock. Bem como podemos falar da simplicidade Hawksiana pelo filme todo.

Mas acho que não, por uma vez acho que não. Mesmo se é uma portentosa e densíssima peça atmosférica, esculpida numa inacreditável luz que não pode ser deste mundo – magnética, fria, cromaticamente derivada de uma banda desenhada (aqui sim, aqui perfeitamente) – é mesmo assim o objecto mais cândido e simples do mundo.

Se o maior efeito é a luz, que é o porquê de vermos os filmes e o mundo, bem como a carne de que são feitos os actores, o maior truque deve ser, talvez, um daqueles efeitos de dissolução de uma imagem na outra, coisa que já Griffith usava.

Junte-se este filme de Jean-Pierre Melville a Claude Sautet e sim…temos o antídoto perfeito para estes tempos.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Voltando a The Dark Knight, há duas coisas, entre muitas outras, que me parecem escandalosas e insultuosas para a Arte do Cinema.

1. Confundir a capacidade de tarefeiro – mesmo que se defenda o filme – de Cristopher Nolan, com o génio de Tim Burton. Mesmo que não se aprecie a arte do cineasta de Burbank, é impossível não admitir que é um autor com um ponto de vista, temáticas sempre reconhecíveis e um construtor de formas indiscutivelmente talentoso, singular e consciencioso.

2. Essa atitude irritante e descomprometida de não se exigir ao cinema o mesmo que à pintura ou à fotografia. Essa espécie de caução na forma como certas pessoas se demitem de discutir formas e estéticas e preferem justificar que o filme tem que fazer dinheiro, e dentro do género é bom.
Os executivos estão lá para tratar das questões económicas, os publicitários e jornalistas para divulgar e apresentar, os críticos e teóricos para criticar e teorizar.

Alexandre Valente não percebe NADA de Cinema. E mesmo como economista parece fraquinho.

(mete lá putas na merda das tuas mercadorias.)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

ALONSO


As imagens e sons de Lisandro Alonso vêm do primitivismo, uma construção completamente artesanal.
Reparemos em La libertad, 2001. Vamos seguir, durante um dia, a vida de um lenhador, algures na Argentina profunda. Vamos estar junto dele e da natureza que o envolve, notar os seus gestos, o seu andar, o modo como corta a lenha, como faz um negócio ou acende uma fogueira.
Só nos iremos deparar com mais três seres humanos, a primeira troca de palavras acontecerá somente aos trinta e dois minutos de filme.
Nem documentário, pois sabemos que existe alguém a orquestrar finamente os percursos e os actos. Nem somente ficção, tal a quantidade de acaso que irrompe e a liberdade que – e isto sente-se – estão envoltos os modelos do filme e as formas utilizadas.
Lições importantes: nunca empolar a forma e a técnica perante o que está à frente da câmara – abolição de decalages. Trabalho do som como algo vital, elemento tão prodigioso como a banda imagem. A essencialidade do fora e o tempo necessário.
Se o cinema serviu para captar a vida dos homens e a respiração do meio – os Lumière, em primeiro lugar – bem como acreditou que o melhor ângulo ou a luz correcta serviria para aprender o sentimento e a quantidade de humano – Ford acima dos outros – este é uma peça desse ética e dessa crença.
The Dark Knight, Christopher Nolan

Primário sentido de espaço, péssima gestão dos tempos singulares necessários à existência de cada cena, bem como à sua respiração, narrativas a desmultiplicarem-se em absoluta perda, desconhecimento das dramaturgias do mal (de um possível apocalipse), etc…

Portador de todos os vícios e convenções do tradicional blockbuster (falsos clímaxs, maniqueísmos de várias espécies, facilidades estilístico/narrativas, etc…) bem como uma bruitage sonora completamente aleatória, dispersiva e imbuída em pleno show-off.
Cristopher Nolan referiu Michael Mann como influência, mas, de facto, é de Michael Bay que todo o seu arsenal de aparatos urdidos com vista a ultrapassar recordes olímpicos se aproxima.

Dito isto, Hearth Ledger como Joker, terminou a sua carreira (se bem que ainda falta um filme) no topo absoluto da sua forma.

domingo, 27 de julho de 2008

GUERÍN


José Luis Guerín acredita que tudo o que existe cabe na sua cena, e é por isso que toda uma incomensurabilidade está no fora.


En La Ciudad De Sylvia + ENTREVISTA COM JOSÉ LUIS GUERÍN + José Luis Guerin, cineasta excepcional

sábado, 26 de julho de 2008

GREEN


Le Monde Vivant. Cavaleiros, uma princesa trancada num castelo, um ogre, um cão tornado leão, arvores falantes.
Continuamos: duelos de espadachim, o cavaleiro que voa como pluma, um coelho tornado elefante, alguém que morre e ressuscita, duas crianças que surgem do nada e presenciam um mundo onde o espírito se faz vida.
O medieval e o actual, da luz à escuridão, do pesadelo ao sonho.
Tudo isto não passaria de delírio inconsequente se não houvesse um milagre, aquele que permite a Eugène Green tomar-se, em estado de graça e sumptuosamente, pela loucura e o encantatório de João César Monteiro e a absoluta depuração e surdina do cinema de Robert Bresson.

Todo um bestiário insólito, o respeito e a materialidade da palavra, a frontalidade e disposição teatral, a arte do não mostrado, etc., neste que é, por ventura, uma das ultimas reinvenções – na verdadeira e total acepção da palavra – que o cinema conheceu nas ultimas décadas.

Ou seja, não se tem nada do que Peter Jackson teve, mas tem-se toda a criatividade do mundo, tem-se uma história do cinema e das técnicas devidamente apreendida, e com escassíssimos meios fez-se uma, e as palavras são, por uma vez, medidas: Obra-Prima.

MINNELLI

…até se pode dizer que esta é a característica dos musicais, ok. Mas o que mais me esmaga em Brigadoon – em Minnelli, mas aqui mais do que em todos – é aquele ponto em que se manda lixar a narrativa e se entra em delírio, em êxtase, em perdição. A dança dentro da dança, a loucura e a liberdade absoluta.
Ou seja, o sonho – que já agora é o centro deste monumental filme, e o centro de toda a obra de Vicente Minnelli – como matéria palpável.

E se o poder mais encantatório deste género fosse, precisamente, mandar à merda a narrativa e entrar na fantasia pura?

sexta-feira, 25 de julho de 2008

MANN, A.

The Furies, o monumento de Anthony Mann continua imponente, altivo. Tão imperial como humano. Tão conciso como apaixonado.

sobre: "A Cinemateca é o que mostra e o que não mostra"

"O papel da Cinemateca não é ver, é rever"

"Passar um ano com um filme. Podes mostrar 'O Grande Ditador' numa sexta e passá-lo duas semanas depois. Acho que há um jovem de Lisboa que é capaz de ir às várias. Que é capaz de pensar: Vi este filme mas não sei se vi este filme. Eu era assim. Ver um filme seriamente é vê-lo muitas vezes e só nas cinematecas é que isso se pode fazer."

Pedro Costa

...

O resto – exceptuando João Pedro Rodrigues, Jorge Cramez e João Bénard da Costa – é palha, lugares comuns e gente a fazer-se ao (s) lugar (es).

quinta-feira, 24 de julho de 2008

BREILLAT

Une vieille maîtresse, Catherine Breillat. Um filme luxuriante e descarnado num só tempo. Começa na Paris de 1938, onde vamos encontrar um jovem libertino e duas mulheres, e leva-nos até vários lugares.
Uma é a sua amante de há 10 anos – depravada e sexuada – a outra a jovem virginal e inocente com que decide casar-se para limpar a sua imagem. Estamos envoltos no mundo aristocrático, o que é decisivo e tratado sem pompa alguma.
Isto é, um filme luxuriante nas suas formas extremamente cuidadas, por vezes sumptuosas, mas nunca com aquele peso de filme de época. É um olhar para um mundo e para pulsões, nunca produto de artesão académico.
E depois é extremamente descarnado, quase rude, cru. E isto não tem só a ver com as cenas de sexo – embora sejam impressionantes e corajosas – sim com um programa que apaga o chão percorrido e que trata a trama como algo que obviamente sempre existiu, animalesco neste sentido, e puxa o filme para um tempo que pode ser qualquer um, evitando assim o habitual voyeurismo de época.
É extremamente contemporâneo, e se o trabalho na fotografia é fundamental, a maneira como a montagem trabalha, sobre a elipse e o mistério, deixando assim espaço para suposições, bem como a forma de captar a sensualidade – os ângulos de Breillat, na demonstração do desejo voraz, é um microscópio revelador – são de um prodigiosa subtileza. Notável esta combinação entre a percepção e o acto.

O que se conjuga perfeitamente com a presença de Asia Argento – um portento de sexualidade sempre pronta a explodir, mulher com marca destruidora e fatal.

Estreie que não estreie, está visto.

TRUFFAUT

(…) uma moral da criação: se nenhum filme de Truffaut pode ser considerado uma obra-prima, isso deve-se, antes de mais, ao facto de esta categoria ser alheia a um trabalho que fugia, deliberadamente, à perfeição e preferia a vida, a sua oscilação, as suas imperfeições.* Uma procura de vitalidade, de intensidade, cuja consequência assumida é uma determinada desigualdade estética, uma mistura de fulgurâncias e de falta de tacto, conferindo um aspecto único aos seus melhores filmes.

Cyril Neyrat

* Antes da rodagem de “A Sereia do Mississípi”, ele prevenira Catherine Deneuve: “Está fora de questão pensar que vamos fazer uma obra-prima. Tentaremos fazer um filme vivo.”

quarta-feira, 23 de julho de 2008

VISCONTI

Acabo de ver Le Notti Bianche de Visconti. Monumento impressionante. Estou pasmado com a beleza, a modernidade e a experimentação do filme.

Quanto à beleza, ela é, como em todos os filmes do italiano, superlativa. Para arrumar a questão – um Senso a preto e branco.
A modernidade está no modo como se faz a transição para os flashbacks – ou como não se faz – um contracampo e já lá estamos, num tempo outro, passado.
Também ali temos qualquer coisa – nas imagens e nos sons que parecem sempre a diluir-se pelas bordas – uma espécie de ambiguidade em relação à divida teatral, e como tudo parece tão teatral nestes estúdios húmidos e escorregadios.
E finalmente, é de um experimento incrível, onde parece não haver A Narrativa, sim um monte de situações singulares que pensam e confundem a dualidade da paixão – racionalidade e loucura.
Estes factores, e outros, produzem uma ambígua sensação surreal, estranhíssima, um quase deslocamento que quase desloca o ecrã.
Filme onde até o milagre final irá ter outro desfecho. Já valia por isso.

por hoje isto (sobre o filme de Padilha)

Não é o suposto “fascismo” de “Tropa de Elite” que incomoda, nem essa é uma acusação inédita: incidiu, por exemplo sobre “Táxi Driver” ou sobre o Clint Eastwood de “Dirty” Harry, se bem se lembram, filmes com personagens em que ardia a obsessão de limpar a cidade que no seu tempo foram vistos como incitações à violência. Ou por outra: não há mal que isso incomode, porque caberia a “Tropa de Elite” ser o espelho de uma turbulência do seu tempo, de impulsos contraditórios onde o desejo de justiça se transforma num – fascizante – impulso purificador, o das tropas especiais que lutam contra o tráfico de droga nas favelas do rio. Deveria, então, ser complexo, contraditório. Mas é isto que incomoda, e fragiliza o filme, tornando-o irresponsável: a banalidade cinematográfica, a grosseria telenovelesca disfarçada de ferocidade realista. Sem “pathos”, na realidade.

Vasco Câmara

primitivismo...

...ou uma arte que já praticamente findou. Arte de simplesmente enquadrar, compor.

terça-feira, 22 de julho de 2008

continuando Carpenter

Continua por aqui o ciclo John Carpenter. Paragem obrigatória em Village of the Damned. A grande obra-prima do mestre americano, juntamente com mais 16 longas metragens, algumas séries televisivas e os dois masters of horror.

O que nos diz a primeira imagem do filme? (aquela que está em cima deste texto) que é um filme de J.C e que é um western. Mais código menos código, é mesmo. Filme fantástico? São todos.

Mas aqui, como, sei lá, The Fog, não nos lembramos, ao mesmo tempo, de Hawks e Resnais? (só para ficar por aqui...)


Na pequena vila onde Carpenter vai cerrar a história pelo enquadramento – e da esquecida vila não vamos sair por nada deste mundo – teremos o HUMANO e o CÉREBRO, a recusa do comentário técnico (e logo a fixação no Homem) e os correlatos para os indecifráveis da mente – o mais abstracto, pois claro.


Uma aula de cinema, ao mesmo tempo que nos deparamos de fronte de questões vertiginosas: a impotência dos adultos face às crianças, o sobrenatural face ao racional, os mistérios da fecundidade e a sede de destruição abafada dos senhores da guerra.


Um dia, que há-de chegar, eles (todos) hão-de gritar que John Carpenter é o maior cineasta do mundo.


(querem saber o que significa enquadrar? J.C ensina-vos a enquadrar.)
amar MOONFLEET

LANG

Secret Beyond the Door é o segredo mais bem guardado da obra de Fritz Lang. Cumulo da arte da falsificação ao infinito, da cópia da cópia.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

"Os filmes que faço são tão autobiográficos como a ficção pode ser"

J.E

domingo, 20 de julho de 2008

a máquina do cinema.

Neste post, o Daniel pôs a questão que eu me ponho a mim próprio quando assisto a um filme mudo de calibre idêntico. Digo sempre durante o visionamento: “merda…os filmes agora já não são assim, há grandes filmes, mas não assim, ponto final.”
Chego sempre a respostas simples e aparentemente básicas, bastante reaccionárias e com um pé no simplismo.
O que corresponde a dizer que me ponho de fronte de conclusões bastante complexas.
Tipo: será que basicamente a coisa mudou simplesmente porque o som retirou a potência enfática e amplificativa da imagem muda?
A candura da imagem e da construção do plano como fim em si, perdeu-se com a tal dependência sonora?
Com a transformação total do cinema em mercadoria?
Com normalizações?

Coisas que não deixam margem para dúvidas, por isso acho, pessoalmente, que tudo é mesmo assim tão simples. O cinema serviria para captar o homem e o mundo – mesmo admitindo os pólos opostos da realidade e dos mundos paralelos – numa arte que avançaria sem limites rumo às possibilidades e direitos que, por exemplo, uma arte como a pintura simplesmente detém.

A coisa acabou – a arte do mudo – e imprimiu-se a inevitabilidade como forma de evolução, de progresso, de revolução.

Por isso é que isto pode ser reaccionário e conservador como o caraças, mas acho, sinceramente, que isto não evoluiu grande coisa. Apesar de continuar a achar que se produzem objectos fabulosos, desmedidos.

Mas o que pessoalmente me faz confusão, é esse grande equivoco de hoje em dia. O achar que a velocidade os falsos raccords, a explosão sonora, etc., são coisas do cinema dito moderno.
O achar que filmes como, vá lá, The Kingdom, é filme moderno. O erro aqui chama-se: má compreensão de movimentos como os cinemas novos, e mais especificamente da nouvelle vague francesa.
O filme citado não é grande coisa, mas para Miami Vice a questão, no fundo, é a mesma.

Onde quero por fim chegar, é que são os filmes dos Straub, do Pedro Costa, do Rohmer, do Rivette, mas muitas outras coisas que nem são conhecidas, que detêm, se se quiser aplicar, esse tal epíteto. Um cinema escondido.

E o que fazem esses filmes? Retrocedem, nessa busca incessante e sensual do tempo e da imagem, do homem e do espaço, das potencialidades cósmicas de uma arte tão incomensurável – de uma máquina tão incomensurável - que não pode servir para se submeter a ilustração de historinhas ou da ficção tal como a conhecemos.

Uma máquina destas deve servir para apanhar o mundo inteiro ou a coisa mais ínfima.
"What I did was I completed the half-hour film, but before really showing it, I wrote two more sections for a potential feature film which I didn't think would really happen, but at least I had it in case. I was very lucky and eventually showed the film, got some good responses, and some people helped to make the longer version of the film.

Wim Wenders gave me some unexposed film material that was left over from - that was actually for the half-hour version - The State of Things - and in the longer version the black sections in-between had to be a certain type of exposed negative to get a true black, and I got a roll of black negative film from Jean-Marie Straub, so I had some help from some pretty amazing people. I don't know why they helped me butƒ (Laughter)

I think it comes from really liking literary forms. Poetry is very beautiful, but the space on the page can be as affecting as where the text is. Like when Miles Davis doesn't play, it has a poignancy to it. I was interested formally from literature and musical structures. I don't remember exactly where it came from. At that time, I was also inspired by very formally pure films, films by Carl Dreyer or Bresson.

Those things were very moving to me, especially at a time when MTV was just starting, and there was this barrage of images that was not so interesting to me at the time. It seemed like film-making was starting to imitate advertising. It was something that wasn't my aesthetic at the time. It came from those things."


Jim Jarmusch

sábado, 19 de julho de 2008

Aniki Bóbó

Aniki Bóbó, Manoel de Oliveira, 1942. Primeira obra do Mestre envolta por uma narrativa ficcional.
Aquela canção, aqueles miúdos, bem como a cidade do Porto captada com uma prodigiosa candura – e em chiaroescuro impressionante – trataram de mistificar a obra, e, de certa maneira, de a arrumar onde não pertence totalmente.
Dir-se-ia neo-realista, dir-se-ia inserida na comédia portuguesa.

Mas na história de uma paixão entre miúdos, a mais velha delas – o rapaz que gosta da rapariga que gosta também de outro rapaz – e que no desenvolvimento vai resvalar para a tragédia, está um monumento.
É verdade que tem um pé na arte de Rossellini (a maneira viva como irrompe o meio, os usos e costumes, a componente social…) mas de certeza que têm outro na poética esteta do cinema de Ozu, e ainda outro no cinema americano (aquelas sobre impressões….), de King Vidor, por exemplo.
E já é um “filme para eles”, gesto moral que culminaria, 21 anos depois, no inacreditável Acto de Primavera.

MANOEL DE OLIVEIRA

sexta-feira, 18 de julho de 2008

CHABROL

http://www.revistapaisa.com.br/julho08/garotadividida.htm

(texto meu na Paisà)


Se no seu último filme, L' Ivresse du pouvoir, Claude Chabrol segui uma magistrada, Isabelle Huppert, na sua investigação e cruzada pessoal a uma grande corporação, fixando-se assim o cineasta na desmontagem do poder e das suas utilizações e consequências – em terreno de investigação criminal portanto – nada mais apropriado a alguém que sempre se inseriu no eixo Hitchcock / Lang, na questão das aparências e do questionamento de todas as verdades.
O “Ivresse” do título, na sua significação irónica e subversiva, sublinhava ainda mais o olhar cínico de Chabrol sobre o mundo em questão.
Neste seu novo filme, La Fille coupée en deux, o francês parece dar uma reviravolta completa em relação à obra anterior. E se a história de um triangulo amoroso entre uma apresentadora da meteorologia de uma cadeia televisiva, um escritor em boa cotação e um arrogante jovem que vive da fortuna do seu falecido pai, parece não deixar margem para duvidas, voltamos no entanto a estar, claramente, em terreno familiar.
Se de facto a construção das personagens, opostas, sui generis e em certa medida tocadas pela loucura, bem como um paroxismo de tom, que desembocará num final tão negro como ilusório, parece derivar do cinema de François Truffat, e das suas investidas por estes dispositivos, o que voltamos a ter, é sim, um complexo olhar sobre pessoas de algum modo relevantes na sociedade e, fundamentalmente, sobre as máscaras e flutuações das suas decisões e comportamentos.

Gabrielle (Ludivine Sagnier controlada com mão de mestre) é a jovem atraente que trabalha num estúdio televisivo, a tal rapariga que vai ser cortada em dois.
Tudo muito simples e sem floreados e tudo muito complexo. Depois de no apresentar à personagem do escritor Charles Denis, bela casa, relação aparentemente estável, vida sem problemas, entramos pelo estúdio adentro.
Previsão do tempo findada, corte para a sala de make up, onde acontece o inevitável encontro entre o escritor que se prepara para falar do seu livro e a jovem que quer sair rapidamente do local. Ela não o quer incomodar, ele insiste para ela esperar. Acaba o programa e encontram-se num bar, dá-se a troca de olhares, voltarão a encontrar-se no local onde a mão dela vende livros. Vai-se tornando bem visível que ela está apaixonada e que o consagrado escritor não diz que não.
Neste entretanto, somos introduzidos a um jovem convencido, Paul Gaudens, dono de uma fortuna incalculável, do tipo que não tem problemas em oferecer dinheiro seja pelo que for e seja a quem for.

Começa o segundo jogo de sedução, e o mais ambíguo e perigoso. E se porventura nunca saberemos ao longo do filme a verdadeira dimensão do amor do escritor pela apresentadora, ele que a diz amar incondicionalmente mas que não esboça uma única atitude para se desfazer da sua mulher, também dificilmente saberemos a verdadeira razão pela qual Gabrielle disse o seu sim ao casamento com o jovem Paul.
Depois de confirmado o acto religioso, a vida em casal não vai durar muito, e vai ser, sobretudo, marcada pelo mal-estar, pelos disfarces e por um certo amour fou. Charles, o literato e o mais articulado dos três, ouve a notícia do casamento pela rádio e a sua vida continuará a mesma – jogo de disfarces com a sua mulher, sucesso a nível profissional.
E quando a ruptura do casal se torna irreparável, voltando a entrar em cena o terceiro vértice da história, o desfecho entrará nos altos da tragédia.
E se todas estas sucessões, e muitas mais coisas se sucedem ao longo da trama – entre elas umas admiráveis e decisivas cenas em Lisboa – são de ordem operática, a forma como a mise en scene de Chabrol trabalha e orquestra a teia de relações é absolutamente cirúrgica, cortante e sem qualquer vislumbre de enfeite.

Uma dramaturgia em tons quase estéreis – e neste particular o trabalho com o director de fotografia Eduardo Serra tem-se revelado importante – um quase esbatimento cromático fundamental para o universo tratado.
Ou seja, se narrativamente a ambiguidade e os jogos de espelhos e mentiras puxam Chabrol para onde sempre esteve, é na realização que a lição se torna radical, sem meias medidas, e, importantíssimo, falsamente funcional, mas sim de uma ferocidade intransigente.
Isto pois corre a ideia, entre vários sectores, que Chabrol se tornou, ao longo da sua enorme carreira, num mero ilustrador, com maiores ou menores fulgores, de teias policiais sobre os mecanismos do poder e da corrupção.
Funcionalismos indistintos é coisa que é contrariada a todo o momento, e, se o centro fílmico é o jogo de ilusões, dos falsos sentimentos e dos interesses, isto só volta a ser essencial devido ao entendimento e saber formal e estético do cinema de Chabrol, arte sem herdeiros e arte dificílima de ser atingida neste grau de plenitude.
Aula magistral de decupage, ou seja, o que a câmara varre no instante do acção e do corta, a atenção dada ao que está em campo e ao que de fora ficou, bem como lição de montagem, ela que confere a perfeita ordenação do todo fílmico e o tempo preciso a cada plano.

Tempo que nunca é demais nem de menos, blocos de tempo/duração que contém em si a tensão e materialidade essencial, elidindo deste modo qualquer resquício de inutilidade estética/narrativa.
È neste investimento sobre a linguagem cinematográfica que simultaneamente Chabrol expõe a sua concepção do cinematógrafo, confundindo ao mesmo tempo uma boa parte que o julga próximo do televisivo, pois, na sua dureza (apetece dizer Languiana) o filme não deixa de ser, claramente, reaccionário e puro.
Reaccionário pois não acredita em novos riquísmos contemporâneos ou no que está em voga, puro pois se nos desligarmos das tendências actuais e dos novos rumos da imagem-movimento, dificilmente não perceberemos que a empreitada do francês nada mais é do que o aproveitamento pleno das essencialidades básicas, e logo primordiais, do cinema
Se ainda é possível crermos na célebre máxima de que a montagem e decupage são o exclusivo do cinema, então, nada melhor do que a mão clínica de Chabrol para as coisas voltarem a um certo lugar.

modernices...

Peter Greenaway é mesmo uma fraude completa. Nem me refiro às suas habituais masturbações “artísticas”.
É mesmo esse novo projecto que dá a volta ao estômago. Terrorismo artístico peca por pouco.
Além de ele adivinhar o que fariam os pintores clássicos, hoje em dia, ainda se acha no direito (ohh que génio, que generoso…) de entregar as pinturas à geração laptop.

Força, desde que não acabem com o original, ou não as estraguem com as suas HD...

Os Straub.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Desenvolver o arco da narrativa do apocalipse e no final deixar tudo em suspenso. Eis o praticado por Carpenter em The Thing.

o mais triste, o mais belo...

…é o mais triste dos filmes pois é nele que uma mulher, ainda nova e belíssima, toma a decisão de renunciar aos amores e às paixões do seu mundo, para esperar pelo outro mundo, e para o reencontrar, ao amor e ao fantasma que acredita não ser ilusão, na hora da morte.
O amor pleno e eterno, o amor vivido na tal dimensão surreal e logo total.

…e é o mais belo filme do mundo, aquele em que a morte surge como alcance da felicidade eterna, em que o tarde e o cedo – as medidas da vida física, são eliminadas pela eternidade da vida além mundo.

Aquela neblina e aquelas atmosferas de conto de fadas ou de conto de fantasmas, aquelas ondas e a casa onde tudo se passa, bem como a maneira de filmar uma mulher e um fantasma, pelas imagens desmedidas de Mankiewicz e Charles Lang.

Mankiewicz e o milagre do indizivél.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

"Não há filme mais triste. Não há filme mais bonito....

...Deixem-me ficar ao pé da mulher que nasceu tarde de mais para atravessar os sete mares e para ver o sol da meia-noite. Deixem-me ficar ao pé do capitão que morreu cedo de mais para poder beijar ou para poder deitar-se com ela. Ou deixem-me acreditar que não há cedo nem tarde e que o único amor que existe – porque é o único em que acreditamos que existe – é o amor surreal, esse que Rex Harrison e Gene Tierney encontram no final, quando desaparecem na névoa, atravessada a última porta.» João Bénard da Costa


É a mais perfeita definição, nada mais triste, nada mais bonito. Eu que em tempos desconfiei do cinema de Joseph L. Mankiewicz, mesmo The Barefoot Contessa, o filme que Godard mais amou.
Neste momento afirmo que The Ghost And Mrs Muir é o mais espantoso filme que Hollywood alguma vez produziu, o mais fantasmagórico, o mais surreal e onírico…depois disto não precisava ver mais filmes…

Deep End



O mais belo dos filmes de Jerzy Skolimowski, certamente dos mais calorosos, porventura, também dos mais trágicos.
A história do rapaz do banho público que torna a sua paixão e curiosidade pela rapariga que com ele trabalha numa obsessão doentia e terminal.
Ele é movido pela inocência da juventude e das redescobertas. Ela assenta a sua vida, e transforma cada acção, em gesto de ambiguidade e perversidade.

Filme livre – mesmo se fica próximo de uma peça de câmara – lírico, misteriosamente elíptico e de uma poesia nostálgica e apaixonada, representa, certamente, um dos cumes da arte do grande cineasta polaco.
É, evidentemente, todo o contrário de um certo cinema que hoje em dia passa por moderno, a antítese dos falsos raccords, do aleatório trabalho móvel da câmara, etc.
Bem como a representação perfeita de um possível cinema autobiográfico em que já não se acredita.

terça-feira, 15 de julho de 2008

DVD´s, Pedro Costa



http://www.intermedio.net/tienda_dvd/

"(...) fazer cinema sem lhe ser devoto, exprimir com o cinema o que não lhe pertence exclusivamente. Quer isto dizer, mais concretamente, que cada uma das fases de criação de um filme não tem o carácter lamentável e ridículo das produções clássicas. É ridículo ver que é tudo representação. É ridículo ver que é tudo simulação – a desmistificação gerada, normalmente, pelo espectáculo da rodagem só está, infelizmente, à altura da preocupação de mistificação que o rege (recusam-se os artifícios da série B)."

Thierry Lounas

JARMUSCH

É uma grande experiência assistir ao filme de formação de Jim Jarmusch. O tal que não foi aceite pelo júri da faculdade pois Jim gastou o dinheiro das propinas no projecto (aja tomates).
Fica evidenciado, mesmo no mais minimal dos filmes que se possa imaginar, que o Americano ainda não tinha recuperado do ano que tinha passado na cinemateca francesa, como ainda hoje não recuperou.
Passa por ali – na história de um jovem que não tem paciência para ler um livro, assistir a um filme de Nick Ray ou ficar a ouvir saxofone na rua, muito menos ligar algum à sua companheira – uma grande fatia de cinema europeu, do mais minimalista, austero e elíptico, sem dúvida Bresson, Straub, Dreyer, etc…ao mesmo tempo que o lírico de Ray, e, já naquela altura e sempre – o interesse pelos actos mais banais, simplesmente, Ozu.

A isto junta-se, e estes momentos rasgam o filme (embora se nos lembrarmos de Cassavetes, ou outros independentes como Robert Frank, estejamos a falar certo), o lado punk de Jim, a música que altera os ritmos da imagem e singulariza esses eventos.

Mas, por outro lado, é incrível como já está ali muito do que Gus Van Sant iria explorar nos seus últimos filmes – a disposição do personagem no plano, a permeabilidade na banda som, um certo desinteresse, etc…

Claro que é facilmente, que me lembre, o melhor filme longo alguma vez saído de uma escola de cinema.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

noveleiros

Confesso que já não lia o blog do António Pedro Vasconcelos, realizador bissexto e comentador de futebol, há uns bons meses. Tinha-me esquecido.
Volto lá e…pior do que nunca, disparate atrás de disparate, contradições monstruosas do que antes defendeu e do que agora defende, a chamada “dor de cotovelo”, ou inveja, na máxima expressão. Uma abjecção.

O homem que no passado assumiu a filiação dos rebeldes da Nouvelle Vague, admirador de Fuller, Ray e Kazan, produtor e admirador de Oliveira, etc…hoje é realizador de uma mercadoria indistinguível de qualquer telenovela pornográfica - Call Girl.

Ora, como se não bastasse, escreve que João Bénard da Costa atacou vários cineastas (et pour cause…), que Godard se refugiou na suíça depois de falhar o golpe a Hollywood, e que Oliveira há vários anos produz objectos insuportáveis.

O que ele sabe, pois é mesmo assim (foda-se), é que João Bénard da Costa não liga patavina aos seus filmes pois sempre escreveu sobre cinema cinema, e nunca, mas nunca, sobre produtos sub-televisivos em que a jovem nua serve para vender pipocas e para os jovens voltarem.

O que ele sabe é que Godard se tornou a personalidade mais decisiva, do cinema e da sua critica, no século XX. Todos os continentes incluídos.

Um facto é que não só a Europa, mas um mundo, tal como Pedro Costa (se tiver dúvidas que me escreva que eu mostro-lhe) aclama de maneira entusiástica todos os filmes de Oliveira.


Nada contra A.P.V preferir a produção americana, mas ao menos que admita a sua inserção na máquina da estação de José Alberto Moniz e que deixe o cinema europeu, e o cinema tout court, sossegado.

Cinema / Novela / Publicidade (Portugal)


Cinema

Manoel de Oliveira
Pedro Costa
João Canijo
Teresa Vilaverde
Fernando Lopes
João Pedro Rodrigues
Jorge Cramez

Novela

António Pedro Vasconcelos

Publicidade

Leonel Vieira
Joaquim Leitão
Fernando Fragata
Alexandre Valente
Carlos Coelho da Silva
Tiago Guedes / Frederico Serra


*evidente que existem outros grandes cineastas; que me estou a esquecer de outros publicitários e que A.P.Vasconcelos é um caso incrível, o cinéfilo que virou noveleiro (novela de telenovela, como é evidente).
E claro, existe um ou outro que não encaixa em nenhum lado.
O facto de passarem na tela grande e em película é tanto mais lamentável.

acredita nisto?

O João Lopes está enganado acerca disto. Tenho a certeza de que qualquer jovem consciente, e, sem ter estado a fumar, admite que Esplendor na Relva, de Elia Kazan, é a obra-prima e Matrix, ou Speed Racer (que interessa…) é a merda.

A sério, está tão enganado nisto como quanto nada percebe de jogos de vídeo.

domingo, 13 de julho de 2008

ARGENTO

Il, Fantasma dell'opera é dos mais luxuriantes, românticos e singulares filmes da obra de Dário Argento. Dito isto, é também dos melhores, visualmente colossal, o que é dizer tudo. Aquela granulação, os claros e escuros e a ambiência gótica remeteram-me directamente para o último filme de Tim Burton – Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street.

Burton nunca escondeu a admiração pelo Italiano, mas tenho quase a certeza que Fantasma foi uma das fortes inspirações.

PRESENCE DU CINEMA "LE NOUVEAU CINEMA FRANCAIS" - FRANJU

(ainda cá vais cantar, principalmente agora, quando a petit cahiers coloca Garrel filho na capa, acabou definitivamente...)

sábado, 12 de julho de 2008

FODAM-SE *

* É a deixa final do homem que descobriu o embuste e o mote para They Live de John Carpenter, o mais genial, politicamente incorrecto e anárquico filme do cinema americano dos anos 80.

(filme anti arty por excelência (sobretudo contra a palavra), e (quem diria) o antídoto perfeito para Matrix)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O mudo e o sonoro em Franju


Foi com Henri Langlois que Georges Franju fundou a cinemateca francesa. Ponto fulcral na cinefilia de uma geração e no seu próprio percurso como cineasta. Obviamente um aficionado do mudo, soube transmitir para a sua obra, toda a arte dos filmes feitos com a ausência do som, ao mesmo tempo que o introduziu, notoriamente as partituras e efeitos sonoros, de uma forma inaudita.

Do mudo toda uma plasticidade da imagem, dos gestos e dos movimentos corporais, bem como as expressões faciais ou o simples andar, algo que só no tempo em que a imagem não estava condicionada pela subordinação ao som foi possível. No mudo a imagem era então enfatizada e ultra significante, uma imagem per si.
O mais extraordinário em filmes como La Tete Contre Les Murs ou Les Yeux sans visage, é, que possuindo todas as lições dos grandes mestres do mudo – do expressionismo de Murnau passando pela fisicalidade de Stroheim – utiliza a banda som com uma graça e uma inocência que, mais uma vez, remetem para uma infantilidade, melhor, uma virgindade que só o grande cinema mudo soube, como nenhum outro, construir.

Em Les Yeux sans visage, pelas atrocidades sarcásticas dos actos da enfermeira, soa algo que está com um pé nas bandas sonoras mais lúdicas da dupla Alfred Hitchcock / Bernard Herrmann, e outro no espírito celeste do fantástico praticado no pré-sonoro.
Já a canção primordial que se escuta em La Tete Contre Les Murs é como uma lengalenga infantil, uma música de berço de bebé. É ela que acompanha os delírios da personagem de Jean-Pierre Mocky.
Num caso como no outro um belo e assustador paradoxo – a música utilizada como acentuação de um savoir fair que só acontecia antes de o cinema falar.

Scob em Franju, Scob em Costa

Era nisto que pensava, na cara de morte de Edith Scob no filme de Franju (cara de uma morta, literalmente) e as afirmações assustadoras de Pedro Costa sobre a presença dela em Casa de Lava.
Está à vista.

(...) Este é um filme mais perdido, não tenho tantas certezas como o João Botelho ou o João Mário Grilo. Para mim, a política é uma coisa subterrânea, um corredor escuro sem indicações que se percorre amordaçado, vendado. E um corredor de morte. Interessam-me mais as marcas e as rugas. Foi isso que tentei fazer com a Edith Scob. Já nos filmes do [Georges] Franju, o que me agradava era ela ser uma menina com rugas. Conseguiu que o "complot" resultasse de uma maneira silenciosa. A Edith Scob hoje é mais actriz de teatro e há um grande reservatório de silêncio nela: por um lado, silêncio de vazio, de esquecimento; por outro, de algo que ainda não está morto. Uma mulher que apesar de tudo não conseguiu ser abatida, que de vez em quando renasce com impulsos, frenesins.

(...) É o ar, o vento do filme. Muito poucas actrizes podem ter tantas idades ao mesmo tempo, podem ser miúdas e velhas. Precisava de alguém que conseguisse resistir à Inês. Não quero ser mórbido, mas a Edith Scob tem na cara a morte inevitável. E a cara dela cinéfila está associada a isso, através dos filmes do Franju. Embora eu nunca lho tenha dito - mas acho que ela o sabe -, o silêncio dela é esse. Quando olha para nós, é a morte que nos olha. E eu precisava dessa morte doce. E uma morte que não aflige.
Pedro Costa

continuando Franju

O mais nebuloso, esotérico e ao mesmo tempo medonho branco sobre o branco que eu alguma vez já vi. Nos segredos dos sonhos, fantasias e sobretudo dos pesadelos, num além vida qualquer.
E nele as restantes fabulosas personagens deste maldito e estranhíssimo trio: o cirurgião interpretado por Pierre Brasseur e a enfermeira manhosa e de cara falsa edificada por Alida Valli.
A cena do recorte da cara é algo para além do suportável, mas, como no resto, Franju nunca desce na facilidade gráfica obscena, há uma poética do horror que não é daqui, que aconteceu mas que jamais será possível.

Sem isto Tim Burton não teria existido, e toda a iconografia do género seria hoje diferente.
E aqueles animais, não a matilha de cães, mas sim os ruídos off, de que mundo participam?
Mas Franju é muito mais do que isso. Já lá chegarei.

Georges Franju, o poeta


Les yeux sans visage, o filme que Franju realizou em 1960, é verdadeiramente o mais belo-horrivél filme do mundo. Nem a noção de sublime o aprisiona, nem ela nos salva.
Isto pois o filme estará mais perto de um transcendental que ecoa, precisamente, em Carl Dreyer.

Nesse indizível além corpo, junto ao tumulo. Sinfonia de mortos-vivos como nas peças atmosféricas de Jacques Tourneur, entre o sono e a vigília fluente, fazendo correlato com única longa-metragem de Charles Laughton.

E se só me ocorrem cineastas estetas é precisamente porque o filme é, indizivelmente, o mais belo e misterioso alguma vez feito. Conto de fantasmas, de horrores, de impraticáveis e do impossível. Franju é o poeta do terror total e de todas as reversibilidades/possibilidades além vida.

È uma obra inesgotável, entre o cemitério, o bosque e a terrível mansão-hospital. É obra para habitar absolutamente.

Por agora só tenho olhos para Edith Scob e para a sua personagem, que não tendo face é a mais humana e comovente.