domingo, 20 de julho de 2008

a máquina do cinema.

Neste post, o Daniel pôs a questão que eu me ponho a mim próprio quando assisto a um filme mudo de calibre idêntico. Digo sempre durante o visionamento: “merda…os filmes agora já não são assim, há grandes filmes, mas não assim, ponto final.”
Chego sempre a respostas simples e aparentemente básicas, bastante reaccionárias e com um pé no simplismo.
O que corresponde a dizer que me ponho de fronte de conclusões bastante complexas.
Tipo: será que basicamente a coisa mudou simplesmente porque o som retirou a potência enfática e amplificativa da imagem muda?
A candura da imagem e da construção do plano como fim em si, perdeu-se com a tal dependência sonora?
Com a transformação total do cinema em mercadoria?
Com normalizações?

Coisas que não deixam margem para dúvidas, por isso acho, pessoalmente, que tudo é mesmo assim tão simples. O cinema serviria para captar o homem e o mundo – mesmo admitindo os pólos opostos da realidade e dos mundos paralelos – numa arte que avançaria sem limites rumo às possibilidades e direitos que, por exemplo, uma arte como a pintura simplesmente detém.

A coisa acabou – a arte do mudo – e imprimiu-se a inevitabilidade como forma de evolução, de progresso, de revolução.

Por isso é que isto pode ser reaccionário e conservador como o caraças, mas acho, sinceramente, que isto não evoluiu grande coisa. Apesar de continuar a achar que se produzem objectos fabulosos, desmedidos.

Mas o que pessoalmente me faz confusão, é esse grande equivoco de hoje em dia. O achar que a velocidade os falsos raccords, a explosão sonora, etc., são coisas do cinema dito moderno.
O achar que filmes como, vá lá, The Kingdom, é filme moderno. O erro aqui chama-se: má compreensão de movimentos como os cinemas novos, e mais especificamente da nouvelle vague francesa.
O filme citado não é grande coisa, mas para Miami Vice a questão, no fundo, é a mesma.

Onde quero por fim chegar, é que são os filmes dos Straub, do Pedro Costa, do Rohmer, do Rivette, mas muitas outras coisas que nem são conhecidas, que detêm, se se quiser aplicar, esse tal epíteto. Um cinema escondido.

E o que fazem esses filmes? Retrocedem, nessa busca incessante e sensual do tempo e da imagem, do homem e do espaço, das potencialidades cósmicas de uma arte tão incomensurável – de uma máquina tão incomensurável - que não pode servir para se submeter a ilustração de historinhas ou da ficção tal como a conhecemos.

Uma máquina destas deve servir para apanhar o mundo inteiro ou a coisa mais ínfima.

10 comentários:

Júnior disse...
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Eduardo Valente disse...

que é o que eu penso a cada filme do Night Shyamalan, apesar do trabalho estupendo de som: podia ser um filme mudo.

há algo ali de maravilhamento frente o mundo, frente ao cinema, que me remete a isso.

revendo aqui a Dama na Água eu continuo achando que, até por se basear num conto de fadas criado por ele para os filhos, seja o filme mais radicalmente perto disso.

Unknown disse...

Eu acho cada vez mais que cinema mudo e o cinema sonoro são duas artes distintas. Com o advento do sonoro não houve uma 'evolução', ou sequer uma mudança 'técnica', houve a morte duma arte, o cinema mudo.

Júnior disse...
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Júnior disse...
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José Oliveira disse...

Júnior: completamente de acordo.

Unknown disse...

"O texto transferido para o campo do som, no falado, liberou uma pureza e uma integridade da imagem que, de certa forma, estava aprisionada ao texto no cinema mudo"

Eu, por várias razões que ocupariam aqui muito espaço, não tenho assim tanta certeza disso...
Num certo sentido, as imagens estão mais aprisionadas agora. Ou, dito de outra forma, têm menos força agora, no sonoro.

Júnior disse...
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Júnior disse...
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Unknown disse...

Concordo com isso. Apenas acho - e será o nosso único ponto de desacordo - que o que se ganhou não é 'mais' do que o que se perdeu.
Daí eu ter falado em duas artes distintas.

Abraço.