terça-feira, 14 de outubro de 2008

Finalmente perdi a ideia feita que tinha sobre Sergei M. Eisenstein. Por um lado achava-o verdadeiramente genial e inultrapassável como formalista e experimentador, nesse sentido, o inicio de “Stachka” foi um hecatombe. O verdadeiro praticante do cinema-ciência, logo, meio caminho andado para me deixar gelado diante dos seus filmes e dos seus princípios de montagem. Uma admiração à distancia, por vezes quanto mais distante melhor. Dizia eu: “é impossível alguém se passar com os filmes de Eisenstein. Impossível alguém tirar prazer como se tira, por exemplo, dos filmes de Dovzhenko”. Impossível amar. E nunca tinha amado, nem mesmo "Bronenosets Potyomkin".

Uns anos depois, 40 € gastos e tenho a caixa com a obra integral. Belas cópias. Vejo as duas partes de “Ivan Groznyy” de assentada, sem pausas. Puta. Aquilo é, na boa, um dos mais desmesurados filmes alguma vez feitos. Uma sensação de grandiloquência que só tem paralelo com as tramas palacianas e com o adquirido pelo Czar. Mas, a rasgar o que poderia ser, mais uma vez, gelo, Eisenstein incute uma vertigem e uma dimensão de acontecimentos que produzem um sopro trágico angustiante. Inunda de lirismo as paixões, as relações e aquela luz pasmosa – algo como os raios a entrar na janela do palácio nunca vi – bem como os gestos dos protagonistas, que não só podemos aproximar-nos deles e das suas tragédias como tocar-lhes. E quando as cores rebentam, no segundo tomo, tudo faz sentido. Tudo. A câmara e o vento onde nunca tinham estado. A montagem segundo o ritmo do humano e não da máquina.

E ainda tenho uma dúvida. Se "Ivan" é a obra-prima suprema, o que dizer de “¡Que Viva Mexico!”? Ao vê-lo, só me detenho a considera-lo o melhor filme de Eisenstein, por duas razões. Primeiro porque nunca foi montado por ele, logo não corresponde à sua visão, muito menos à sua concepção na mesa de montagem. Segundo, pois ao faze-lo correria o risco de negar as sensações de "Ivan". Ou seja, "México" volta a distanciar-se e a não acreditar numa narrativa reconhecível, mas? Aquilo é como a “Jeanne d'Arc” do Dreyer, os grandes planos que não são deste mundo e uma noção de escalas na construção visual que foi arte de um só homem. Livre, diluído e com uma poièsis que o cinema jamais atingiria.

Por um lado levei uma chapada e percebi que existia muito mais do que planos matematicamente cortados e unidos, é possível entrar em delírio. Novamente punch para me fazer perceber que o que é perfeito demais se estilhaça e explode. Finalmente o elo de ligação Eisenstein – Hitchcock.

*e acho que não é preciso tanta pompa para discutir Eisenstein, para ler o "Film Form", ou para ensiná-lo.

2 comentários:

Unknown disse...

Belo texto, ainda que não concorde totalmente com ele. Para mim todo o Eisesntein é genial, começando na "Greve" e acabando, justamente, no díptico "Ivan". Não se limitou a ser um formalista quase sem rival, foi também um teórico e um cineasta que melhor explorou a emoção da junção estética som-imagem. Basta ver "Alexander Nevsky" para compreender isso mesmo (com a música de Prokofiev).

José Oliveira disse...

"Alexander Nevsky" é o terceiro vértice. Mas falo em termos de emoção pessoal. Obviamente genial.