“Gomorra” possui, de facto, um lado interessante. Aquilo que o Vasco Câmara muito bem referiu no seu texto. Passa ao lado da iconografia, dos sinais e do espectáculo/velocidade a que geralmente os filmes deste género estão associados. Para dizer mais, a secura e a lucidez de Matteo Garrone praticamente destrói – sobretudo contorna – qualquer ideia de género.
Pena a dispersão da narrativa na ambição de querer abordar o máximo possível e as facetas mais diversas, pedia-se condensação, claustrofobia, aperto. Daí um certo cheiro a colagem aleatória dos episódios e dos personagens que por vezes parecem derivar de universos tão presunçosos e feitos modernos como o da dupla Arriaga/ Iñárritu e afins…
Pena a opção pela janela 2.35 : 1 combinada com a liberdade da câmara. É muito difícil associar satisfatoriamente a largura destas janelas, a grandeza do seu recorte e o seu peso, com a soltura que pretende o realismo. Daí uma afectação da realidade, uma deformação e uma confusão (que roça o mau gosto estético), que cria inevitavelmente, não ruído nem visceralidade, sim uma espécie de autismo composicional, de atabalhoamento das linhas e dos planos. Ainda para mais a fotografia, no que esconde e escurece (logo torna misterioso), merecia mais descrição do quadro, menos essa vontade de falsa grandeza épica, de fresco. Faltou, ironicamente, aquela humildade e despretencionismo que o neo-realismo criou e fez sentir agudamente. O que serve para dizer que acho, obviamente, tal conexão abusiva.
Então, precioso o desvio de Garrone às convenções, e mesmo no modo como se interessa pelas personagens e como não os transforma em simples peças de xadrez. Pena a falta de domínio sobre uma narrativa, bem como uma ausência de talento formal que ao contrário dos grandes mestres italianos joga contra e não a favor.
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