Porque vale a pena lembrar, “mist” tem a ver com neblina e não com nevoeiro. De resto Frank Darabont trata de expor as distâncias e o projecto logo no início do filme. Um quarto onde existe uma imagem de “The Thing”, música em surdina e a lembrar uns quantos filmes e uns quantos motivos de Carpenter. Não se trata bem de intimidação, não se trata de inserção, trata-se de distanciação. Obviamente que Darabont não possui o hieratismo de Carpenter, não é um asceta como só Carpenter soube herdar dos grandes clássicos, etc. Mas…também não precisa de ser, toma outro rumo. Uma imersão, num universo e num fazer, mais em consentaneidade com certos filmes de Romero, mesmo algumas produções Corman, alguns Fulci ou até Argento, etc.
É sobretudo um prodígio de suspense. Darabont dá uma lição de angulação combinada com o saber do corte, o seu tempo exacto. Isso e um raciocínio e exposição dos mecanismos da sociedade e do mundo que não me parecem de pacotilha. Exemplo: a maneira como hierarquiza e desconstrói a essencialidade e géneses da politica e da religião. Como deixa dissolver a politica e o estatuto até à animalidade e como nota a supremacia da religião e da propaganda em relação às leis. O microcosmo daquela loja parece-me de uma complexidade e representação que importa não deitar fora. Possui ainda um dos finais mais corajosos do cinema americano em tempos, a explanação da descrença total. Completamente desiludo e negro, o homem, depois de ver o inferno e o abismo, jamais acreditará.
Para a secura ter sido total só se dispensava aqueles momentos, perto do final, quando o carro vai entre a neblina, em que são convocados os piores clichés do cinema americano e do Darabont transacto. A música pastosa e o ralenti, uns certos planos deleitados, etc. Mas uma pedrada, uma grande pedrada. Um abanão para essas merdas que invadem semanalmente as salas e os clubes de vídeo.
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