Jacques Tourneur ou um dos mais subestimados e esquecidos cineastas de que há memória. Desde logo porque um dos seus essenciais estetas, que ainda por cima trabalhou com orçamentos baixíssimos, na América, em diversos géneros, mas tocando muitas das vezes em temas negríssimos, e ao lado, dos seus comparsas nesse mítico período. Para demonstrar a sua importância e a sua audácia posso dizer que é, para mim, um dos únicos – o único – que ousou aproximar-se do universo e da estética de um cineasta tão imenso e absolutamente singular como Georges Franju. Bruxarias, maldições, cultos, zombies e demónios de qualquer espécie. Um domínio da luz e das trevas (e da luz das trevas), dos sons e da temeridade, que nos casos mais vertiginosos – “I Walked With a Zombie” ou “Night of the Demon”, que acabo de ver – atingem altitudes semelhantes às de um Mizoguchi, do Mankiewicz de “The Ghost and Mrs. Muir” ou “Night of the Hunter”, a obra única de Charles Laughton. Bem como um desafio à crença muito mais abissal do que os celebres solilóquios pseudo metafísicos de Tarkovsky.
"Mizo", Franju, Laughton, é desse lado esotérico e desmesuradamente ascético que fluem e se moldam as imagens e os sons de Tourneur. Poucos perceberam tamanho legado. Se hoje em dia o cineasta que mais cita Tourneur é Pedro Costa, isso é tão justo como lógico. O trabalho artesanal sobre a luz e o som, o tal respeito/compreensão total pela realidade antes e ao invés de a submeter a qualquer fascização formal, o dar tempo ao tempo e espaço ao espaço, uma moral e um principio – ideias – fortíssimas sobre o trabalho de pôr em cena.
Tanta coisa para uma dúvida que tenho: já nem pergunto porque é que só um ou dois cineastas, hoje em dia, trabalham com tais pressupostos, mas – porque é que já não se fazem filmes que tematicamente e em termos de ambientes se aproximem dos filmes-zombie de Tourneur? Porque é que hoje em dia, quando se ousa traçar tais tangentes, ou se provoca riso e se cai no ridículo, ou simplesmente tudo é plastificado e estupidificado por horríveis efeitos especiais ditos “modernos”? Porque é que já não se ousa assim?
2 comentários:
Ousar até ousam... O problema é com que escassez! Carpenter, The Fog e The Thing; Mann, Heat e Miami Vice (talvez Colateral também, no entanto um filme menor). A dicção neutra, a "tenacidade" de que fala Lourcelles, heróis que ja não são muitos mais que sombras ativas, e portanto completamente destítuídos de qualquer heroísmo.
Tive a mesma reação ao ver I Walked With a Zombie na semana que passou. Tourneur com certeza é dos mais subestimados, dos mais expressivos na estética também.
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