Paris
Por hoje não é o “Garbo laughs!” que me interessa, apesar da imagem. Em “Ninotchka”, uma obra de tantas coisas deslumbrantes, está Paris fascinantemente captada e, acima de tudo, sentida. Não tenho vontade de me perder na Paris de Cèdric Klapish – a não ser que me recortassem só as partes de Binoche, colassem bem a coisa e me entregassem.
Na Paris de Ernst Lubitch a Torre Eiffel só aparece duas vezes pela totalidade, vezes essas em que o plano dura pouco. Ainda iremos lá numa terceira vez, com Greta Garbo e com Melvyn Douglas. Uma das sequências mais ilustrativas e significantes da arte do mestre alemão – um dos mais sofisticados e dotados cineastas que já pisaram a face da terra (better than 1000 Linklater´s). E eu aprecio algumas coisas de Linklater.
Em frente. Garbo chega à conhecida torre, plano por debaixo desta, frontal e mais apertado do que geral, dois pilares dentro do quadro, muita luz de fundo e ela entra. Plano inteiro de Garbo a comprar o bilhete com panorâmica para a direita. Entra, observa o ambiente, dirige-se a um porteiro e faz-lhe umas perguntas que o deixam abanado, de repente entra em plano Melvyn, explica-lhe as características do monumento, tudo em plano americano e num daqueles travellings que me faz questionar o porquê da novidade da steadycam. Ela decide subir a pé, depois de ele ter ficado pasmado com a quantidade de degraus. Só mais um plano apertado dela a subir as escadas e já estamos na plataforma dos restaurantes. Ela vai chegar primeiro do que ele, que subiu no elevador. Lá de cima quase só vamos ter a conversa e as expressões deles, Lubitch só nos dará um breve plano dos jardins do trocadero, fazendo-nos imaginar o resto pelas palavras e no fora-de-campo. Muita electricidade gasta na cidade, diz a mulher, que só foi lá para sentir o que sente a burguesia que tem assim necessidade de exibir o seu poder. Enfim, no final do filme, depois do riso e dos beijos, depois de quebrar o gelo, já vai dizer que é uma obra notável e que a cidade é bela.
Mas o que me impressiona é essa economia e subtileza de Lubitsch, esse sentido dramatúrgico em que o imaginado e o sentido é bem mais fundamental do que o mostrado. E o mostrado é sumptuoso. Em que o dentro, na torre ou naqueles hotéis e casas, pode conter o absoluto.
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