Passadas as duas dezenas de revisões a Heat, umas coisas que não me quero esquecer.
Sobre o digital e sobre o espaço. A primeira conversa entre De Niro e a rapariga que conheceu é um dos grandes manifestos da realidade em bruto que representa toda a questão do cinema de Mann. Hiper realismo/hiper classicíssimo, no máximo. Não dá para acreditar que estão a ser queimados rolos da Eastman em puro 35 mm (mesmo que sejam 16mm…). De Niro e Amy Brenneman recortados sobre o céu e a noite de Los Angeles, lá bem no alto, possuindo a elevação e o tratamento das coisas perfeitas e fugazes, logo predispostas a não durar. Realismo descarnado, sentimento de perda no ganho, muito grão no quadro…a bem dizer, desde Thief que o cinema de Mann pedia isto e pedia o gigantesco passo que se deu em Collateral ou nos inícios de Ali. O digital como revelador, do homem e do seu interior, da matéria, da incomensurabilidade de tudo isto que nos rodeia.
Incomensurabilidade – e o homem, pequeno e irrespiravelmente inserido no meio de tudo. Os fundos e o fora de campo absolutamente centrais para transmitir a incapacidade do humano em dominar todo o espaço, todo o meio. E neste ponto, também há por ali fantasmas.
Reparemos na cena em que De Niro vai fazer negócio com o conhecido de John Voigth. No alto de uma colina, a aragem que enche o plano, que os posiciona, no final é a auto-estrada gigantesca, lá no fundo da imagem, que estabelece as personagens e lhes impõe as hierarquias. Todos os limites de representação e de um mundo no plano, a pressão de tudo isso.
Depois, a cena em que de Niro chega à sua casa, do betão para a água, para o mar que nunca mais acaba.
Como filma Mann isto: plano meio apertado da arma para plano geral dentro de casa, fabulosos tons de azul, actor a entrar em cena, a dirigir-se para o mar, sentimos a imensidão e, de repente, plano apertadíssimo sobre o rosto, desfoque do rosto e todo o mar…toda a mestria da comunhão entre homem e mundo executados com o recurso à máquina e sem qualquer pirueta.
Por hoje isto.
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