sábado, 1 de março de 2008

Michael Mann e “Miami Vice” como ponto de chegada, parte II

A segunda parte deste trabalho consiste em descobrir, recorrendo a imagens de filmes, relações estéticas, formais, enfim dramaturgicas, entre o cinema de Mann (“Miami Vice”, o filme que analisei mais profundamente) e um filme especifico de Don Siegel – como já disse, para mim talvez a influencia máxima do cinema de Mann, principalmente em “Miami Vice” – da sua parte final da carreira, onde a violentação sobre as formas foi mais vincada.
De título original “Coogan's Bluff”, 1968, é uma obra onde quanto a mim é possível vislumbrar relações formais e estéticas, na criação de ambiências, nas portentosas e cortantes angulações e movimentos da câmara, etc…e acima de tudo, e aqui poderíamos ir também ao Fuller ou ao Scorsese mais explosivos, uma maneira quase torturante na sua dinâmica construção formal – contra todas as convenções e academismos.
E é tanto mais incrível, estas filiações, quando sabemos da diferença entre os meios utilizados nos dois filmes. Questões de dramaturgia, questões decisivas.




Em cenas numa discoteca que ambos os filmes apresentam, é sumptuosa a maneira como ambos os autores criam imagens, diria subliminares, quase flashes, de momentos em que existe por assim dizer uma quase comunhão entre a tecnologia destes lugares e os corpos humanos. As silhuetas envoltas pelas luzes fortíssimas, pelos neons…a revelação da imponência do lugar necessário ao homem, a câmara e as cores a trabalharem na máxima captação de um ambiente peculiar. Sensualidade nos limites, como é fácil notar.






Aqui os dois cineastas pretendem, visceralmente, transmitir as sensações que um local específico como este propõe. Sensações de calor, de suor, do ambiente aos corpos.
Mais frias, as cores de Mann, o que terá a ver com a noite e o ambiente próprio de Miami e com o tal ar do tempo, mais quentes as de Siegel, o que remeterá para a efervescência da época em que foi filmado (finais dos anos 60) e do local, uma Nova Iorque a incandescer com a aparição das drogas, do Flower Power, de todos os movimentos revolucionários, etc…
Em ambos os casos, uma apaixonante e fervilhante maneira no modo de captar a noite das discotecas, as suas pulsões e convulsões, tudo muito orgânico evidentemente.
E o modo como os dois cineastas parecem querer colocar o espectador no centro da acção, incutir-lhes o ritmo e sensações do lugar, etc…








Cenas de perseguição – embora no caso de “Miami Vice” não seja ao inimigo – onde o estilismo e o virtuosismo dos dois cineastas são imbatíveis, ontem como hoje.
Uma de noite, outra de dia, é certo. Mas é na portentosa utilização dos ângulos de câmara, dos movimentos que desafiam qualquer noção de gravidade, da rugosidade da imagem – parece matéria com vida própria – sem a utilização de truques baratos, de efeitos computorizados. A câmara e só a câmara, juntamente com a montagem e a sonoridade explosiva a exercer potencia.



Por ultimo o tratamento sobre as personagens:
No primeiro caso a trabalharem no meio sufocante da discoteca.
No segundo caso em missão num meio mais árido, envoltos pela paisagem reveladora do lugar, poderiamos referir ainda resquicios de Western crepuscular, a la Penn ou Peckimpah, e que o próprio Siegel também cultivou.
Tratamento semelhante no que á composição diz respeito, mais uma vez a extrema rugosidade da imagem – a sensação de algo fugido, sempre a escorregar – e o sentimento de envolvência nos meios.

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