"A Better Tomorrow"/ "Crime em Hong Kong" (1986) — "Hong Kong é bela à noite, como todas as coisas que não duram”. Era assim, há mais de 10 anos, um jogo amoroso entre “gangsters” e polícias destroçados num mundo sem códigos e em mudança. Era Hong Kong, em 1986, num filme realizado por aquele que, nas palavras de Quentin Tarantino, coreografa sequências de acção como Miguel Ângelo pintava tectos — John Woo. O filme, o único do período de HK estreado comercialmente em Portugal, provocou histeria na indústria local, transformando a gabardine usada pelo actor Chow Yun Fat num “fashion statement” para o calor e humidade. Quanto à cinefilia, que alimentou a infância miserável de John Woo, de Melville a Kurosawa passando pelo musical americano ou pelo cinema de artes marciais, ela surge aqui prodigiosamente reinventada — como se tudo fosse criado com a candura de uma primeira vez. Como se escreve em “Sex and Zen and a Bullet in the Head”, guia para o cinema local elaborado por Stefan Hammond e Mike Wilkins, com este filme “cinema de acção” de Hong Kong deixou de ser sinónimo, exclusivamente, de artes marciais com colagens sonoras disparatadas.
"The Killer" (1989) — A obra-prima de John Woo, não foi dos filmes mais populares do cineasta em Hong Kong — o seu sucesso no ocidente até criou ressentimentos na indústria local. Mas é o apogeu do seu cinema híbrido: encontro celestial entre Scorsese, Jean-Pierre Melville e a lealdade e honra das lendas marciais e heróicas chinesas, decantados por uma sensualidade lânguida e pelo romantismo terminal do cristão e moralista que John Woo é. Velas, cruzes e pombas saturam o amor entre um polícia e um assassino contratado que se tacteiam com as armas — entre eles, uma mulher cega. (O filme tem levado a uma "leitura" homossexual das personagens do cineasta). É um espectáculo fúnebre em que a vertigem erótica é diferida através de bailados de balas e corpos no ar. O final, é uma histérica citação do histérico final de "Duelo ao Sol", de King Vidor.
"Bullet in the Head" (1990) — Nas palavras de John Woo, o seu filme "mais pessoal" — e um falhanço em termos de público. É um épico que começa por ter uma componente autobiográfica — a primeira parte, inspirada na adolescência do realizador em Hong Kong, nos anos 60, com lutas de "gangs" e ideais por cumprir de "um mundo melhor". Acaba com a descida aos infernos do Vietname por três amigos e diz Woo que filmou isso com a dor que sentiu quando viu na televisão as imagens do massacre da Praça Tiananmen, em Pequim. É o seu filme mais pessimista e negro, para o qual não quis heróis românticos, e onde, em vez da amizade e do amor, restava um "shakespeariano" crânio no chão num dos mais paroxísticos finais da história do cinema.
"Hard Boiled" (1992) — O final de "Hard Boiled" já foi considerado o mais espectacular de um filme de acção em toda a história do cinema. John Woo teve 35 dias para filmar essa meia-hora final, um prodigioso carnaval pirotécnico num hospital — sinal do controle absoluto da produção de que gozava na indústria local, filmou sem "storyboards" e sem interferência dos estúdios nas "rushes". Foi o último filme feito em Hong Kong, antes da partida para Hollywood, e despediu-se com uma obra que já demonstrava uma consciência totalizante das suas marcas de assinatura — daí vêm a musculatura das coreografias e a ironia do herói, até então quase sempre melancólico, interpretado por Chow Yun-Fat ("The Killer").
Vasco Câmara better than ever
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