É uma linha, nada de pós-modernismos, nada de narrativas espertinhas, uma história, ou como referiu um colega meu, uma novela. (não no sentido da tvi, mas do papel).
E é aqui que se joga tudo, na maneira como James Gray insufla de tragédia, de gravidade, de mudança de personagens e de um meio, que o filme se eleva, se transforma em puro terror.
A maneira como Phoenix muda, de drogado corrupto até ao polícia torturado, é um dos milagres do filme, e a maneira como este se desvia de qualquer convencionalidade ou estereotipo a la Joe Wright (se é para falarmos em ficção pura) é reveladora.
O modo como ele reage ao abatimento do Pai é algo sobre humano e que só pode ser atingido sobre o estado de ácidos – caso contrário Phoenix é precisamente o maior actor do mundo.
Depois é todo um classicíssimo assustador, feito de criação de atmosferas, de mise en scene tão serena como agudamente assustadora, é a maneira como Gray envolve os seus personagens – repito, cada um mais esgazeado que o outro – numa luz que parece não vir deste mundo, embora seja num mundo especifico, algo entre o vislumbre das trevas e a descida aos infernos. São fabulosos claros-escuros, magistralmente trabalhados, tudo fervilhante, muito fervilhante – mesma na melhor perseguição automóvel que eu já assisti – degrades reveladores de estado das coisas e acentuadores de tragédia. É o mesmo método de The Yards, os rostos e os olhos sempre na sombra - assustador.
Fiquemo-nos em duas cenas: a descida ao local da droga, e a cena final.
Na primeira existe uma harmonia entre todos os aspectos – imagem, som, personagem – levadas ao extremo do terror, onde se houve os corações, se sentem os suores e cheiros, com o mais fabuloso fade para o inferno que alguma vez vi. A câmara nunca vai em excesso, nada se desmorona, nada se precipita, existe o máximo de dramaturgia e de concentração de vibração. É a montagem que mostra e gere o acontecimento respeitando todos os seus princípios, nunca indo em fuga – que é como se costuma filmar estas coisas.
A câmara que nunca se excita, antes fica, ela mesmo, serena e cheia de medo de registar o instante seguinte.
Começa com o coração e acaba com o sangue no rosto, o resto são figuras horrendas e o cheiro da coca.
A cena final, aquela em que Phoenix se vinga de caçadeira em punho: quase nem dá-mos por ela, quando realmente nos apercebermos já a cena passou e a vingança está feita.
Atrevo-me a dizer que qualquer realizador do mundo, mesmo Scorsese, teria feito ali uma extraordinária pirueta de câmara, estilística, enfim, um tour de force de realização.
Gray prefere a acalmia mais do que aguda que a condensação de tensões e coerências permite.
E aqui estamos mais, bem mais, do lado das tragédias e da dureza de Visconti, mesmo da sua harmonia, que do cinema de Scorsese – que é pulsional e animado pelo seu fogo – ou Coppola, que vai mais no sentido operático enlevado.
E depois há a mulher, como a fabulosa Theoron e a sua brutal vulnerabilidade em The Yards, temos aqui Eva Mendes no papel da sua vida.
Prodígio de contenção, mistura entre miudeza e consciência abalada, tão linda como assustadoramente perto da destruição, e aqui a sua fuga é bênção.
É o mais prodigioso filme americano até agora, uma das grandes obras desta década, que vem menos do cinema dos 70´s americanos e mais de outras galáxias.
2 comentários:
Os filmes do Gray são o que são... Crus, violentos... São o Joaquin Phoenix (não sei se aqui concordas, zé...). Para além de produtor no filme em questão, este actor, desde walk the line (no qual tem um papel MONSTRUOSO)expos-se como homem-filme. Já não é o papelzinho no 8mm com nicolas cage ou o imperadorzinho no gladiador do MERDAS... é o cinema a sério.. (ou aqui no cariz de uma private joke, à Sério)... Phoenix e Whalberg como engenhos propulsores de produção cinematográfica... Como o cinema é maravilhoso...
completamente,
realço: " Phoenix e Whalberg como engenhos propulsores de produção cinematográfica."
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