quarta-feira, 5 de março de 2008

Porque é que as escolas de cinema são uma….

….merda

"When people ask me if I went to film school I tell them, 'no, I went to films.'" Quentin Tarantino

“film school is for chumps”; Paul Thomas Anderson

“As pessoas mais jovens não vêem à Cinemateca; se estão na escola de cinema aprendam a expor filme, a fazer uns sons, mas também não se interessam muito.” Pedro Costa

“Não se vai para a Escola de Cinema aprender isto. Fui para a Escola de Cinema para aprender umas coisas de química, para ver filmes, porque não tinha hipótese; O João Bénard da Costa mostrou-me muitos filmes, o João Miguel Fernandes Jorge mostrou-me muitos filmes, alguns professores assim…” Pedro Costa

......

As afirmações acima transcritas ajudam na causa, ou seja, não estou sozinho. Mas não preciso delas para constatar o que penso, não me servem de caução, pois já lá estive: as escolas de cinema, para quem é apaixonado por cinema: são uma merda!
Vou falar das de Portugal – embora parecera que lá fora não é muito diferente - vou falar da que andei, mais precisamente na Escola Superior Artística do Porto, mas daqui extrapolo para elas todas – é tudo igual.
E são medonhas, terríveis, cortam os pés a quem gosta realmente de cinema e a quem está in love com ele, sim, pois isso é possível.
Há excepções no que aos professores diz respeito, hás sempre uma excepção, e mais pouco houve do que uma.
Retomando: os poderosos, os que dominam o curso, os lá de cima, que em vez de reconhecer talentos – como se faz no futebol, a prospecção – são antes poços de raiva, homens frustrados por nunca terem passado do seu simples e pequenino cargo, de não terem feito nada de relevante – em nenhum dos aspectos do cinema – o que fazem?
Vão obviamente vingar-se em quem sabe mais do que eles; a quem já entrou para a escola a saber aquelas coisinhas básicas de cinema e quer mais, muito mais; esses alunos já não querem analisar estruturas narrativas simples ou ver filmes de espanhóis que ganharam o fantasporto: o que eu queria era ver o John Ford; o Welles, o Ozu ou o Mizouchuchi; e em três anos vi um Ford, um Ozu e um Welles, mas não foi mostrado pela pessoa que estou a falar, foi por outra, mas essa não é frustrada.
Mais: ignoram-te, fazem que não te conhecem nas aulas ou na rua, muitas vezes porque andas a tirar notas que eles nunca tiraram, e porque em muitos aspectos já sabes mais do que eles. Viram-te a cara e mandam-te pró caralho.
Mostram-te uns Lynchs e uns Balas e Bolinhos (estou a exagerar) e para eles isso é a arte; ensinam-te o modelo americano e está a andar; e o modelo Japonês? E se eu não quiser usar plots ou ganjos, e se disser que o argumento do Chinaton é vulgar; e se eu disser que o tarantino revolucionou os anos 90? Eles dizem que é treta e que o tarantino é um espertinho e arrogante como tu (dor de cotovelo, afinal não é preciso a escola para se escrever argumentos que ganham Cannes ou Óscares…) ; e se peço Pedro Costa? Eles dizem que não aguentam assistir ao filme.
Esses filmes foi outro professor que mos mostrou, e mostrou muitos, mas desse não falo, são a excepção no caos.
E se eu, que foi o que fiz, me cultivei, no que ao CINEMA diz respeito, em casa e na salas de cinema, a ler Deleuze, Daney ou Godard; e foi para a escolinha para aprender umas coisas de química, a fazer uns sons, ou a dominar umas técnicas e uns programas de computador;

Para os químicos tive uma cadeira de fotografia, dois professores, um deles pôs lá os pés 5 ou 6 vezes; o outro ensinou umas coisas, a revelar fotografias e tal, não me chegou…
O Som foi descomunalmente horrível, raramente vimos um filme, e quando vimos foram curtas-metragens espanholas horrendas, ou longas como La Haine, que na escola passa por obra-prima maior do que obra-prima, mas que para mim é um filmezinho estúpido e pretensioso; depois foi fazer umas montagens sonoras da pantera cor-de-rosa, captar som sem saberes mexer nos instrumentos ou ires lá para fora com uma perche fazer palhaçadas, não serviu para nada.
Fotografia, cinematografia melhor, sim, aprende-se umas coisas, mas é preciso ires lá, se fores envergonhado e tiveres a pensar em filmes que ele não conhece ou em raparigas, tás lixado – aprendi qualquer coisa, não me queixo assim muito, mas que havia de ser muito mais, sem duvida…
Ainda falta falar dos professores assistentes, acaba-se o curso, dá-se logo aulas, záz, zás, sempre a andar como diria o Straub….e eles lá estão todos contentes a ganhar o deles, a mostrar o king kong ou o trailer do novo filme dos Wachowski …
Ou uma cadeira de montagem, o cumulo do ridículo, em que se confundiu os princípios de Griffith ou de Eisenstein, com os programas de computador avançados ou os plug ins iguais aos do traffic ou do soldado ryan…uma aula sobre Eisenstein (mal dada, meia hora) um livro do Walter Murch, e está dado, isso para eles é A teoria…depois é só computadores, pois aí é que está a montagem.
Perguntei eu? E Godard, a Nouvelle Vague em si, os russos, mesmo Cassavetes….responde o professor: “isso não interessa, o que interessa é aprender a montar no premiere, e se queres aprender onde está a montagem, olha, vai ver o Syriana, é fantástico, ou o fiel jardineiro, monumental” (cito de cor)…

Mas eu não queria aquilo, e essas coisas faziam mal á cabeça, um gajo exaltava-se e passava dos limites – PORQUE É O QUE ACONTECE, SEMPRE, QUANDO SE GOSTA TANTO DO CINEMA COMO DA VIDA – não me chegava, eu queria analisar o Vertov, as vanguardas francesas dos anos 20, o Godard, o underground de Nova York dos anos 60/70, queria ver como o Ford apurou o raccord no eixo, depois de Griffith, ou queria destruir a montagem, mas nada…
Fiz um trabalho com os rostos da Anna Karrina em filmes do Godard, com os raccords e as ligações mal feitas, porque eu queria que o filme fosse como que estilhaçado, sujo, contraditório, etc…e disseram-me logo que não sabia montar, que estava tudo mal feito, e lá ia eu ver mais um filme do Godard ou descobrir o resto do Murnau, a rir-me deles ou todo lixado, mas eles é que recebiam o dinheiro…
E produção, a cadeira onde te deixam fazer filmes, nunca passei da primeira fase: refiro que quero espírito de Kiarostami ou de Ray no meu filme e eliminam-me logo.
Fiz filmes, com dois ou três comparsas que estavam ao meu lado, filmes clandestinos, radicais, lixados, contra a escola. O que aconteceu? Nada, devem estar no caixote de lixo da escola.

Estou a ser demasiado duro porque gastei dinheiro no curso, gastei muito, muito dinheiro, e o que me fizeram não se faz, trataram-me como se eu fosse um palhaço armado em espertinho, e eles porque viam as merdas que falei, e porque eram professores é que tinham a razão, nem sequer podias contestar – é fascismo…
E como finaliza o Bénard da Costa os seus textos: muito mais haveria para dizer, coisas ilimitadas….por exemplo uma professora de stotyboard que não sabia nada de cinema (isto são palavras dela) ….
Não inventei nada, foi o que aconteceu…e estas coisas fazem mal, lixam um gajo.
Por isso, aos jovens que gostam mesmo de cinema, não vão para a escola, vão á cinemateca, saquem os filmes que gostam especialmente, façam coisas originais e livres, atirem imagens contra sons, vão trabalhar para o clube de vídeo na rua ao lado, como o Tarantino.
Escolas são o pior que há, para mim foi…é que nem aprendi umas coisas de química, o máximo foi o tal professor que me salvou um pouco a vida, e ter conhecido umas raparigas jeitosas.

9 comentários:

Anónimo disse...

Eu guardo fresquinho bem fresquinho o Balas e Bolinhos a ser mostrado aos alunos numa escola de cinema.

deslumbrante

Jojo disse...

Ha tantas coisas tao ou mais horriveis do que aqui descritas.. para mim esta escola foi e é uma prisao, um sitio em que te dizem que nunca seras nada e nao podes querer alcançar nada de maior. Por muito tempo achei que era doida, que se calhar eles estavam certos e eu errada, mas depois conheci pessoas, colegas na palavra academica, professores na palavra verdadeira. E Zé, esqueces-te de outra grande excepção, peculiar e unico como so ele o SErio fez me ver coisas da maneira que eles deveriam ser.
Acho sinceramente que a unica coisa de bom que levo disto, somos nós. Os deambuladores. ( tu tambem es um sim!)

José Oliveira disse...

esqueci-me do Sério, como se calhar do Zé Zlberto...

e sim, é o local onde te dizem que nunca vais fazer um filme, e que vais apanhar cabos...

obrigado,

grato pela amizade

José Oliveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sérgio Dias Branco disse...

Como professor de cinema este desabafo deixa triste. Aquilo que conheço é sobretudo o facto de todas as escolas terem ignorado o meu cv quando voltei de Inglaterra com um mestrado. Nem um 'obrigado' 'fica em arquivo' 'neste momento não há vagas'. Nada. Decidi voltar para Inglaterra.

As coisas são diferentes aqui? Bom, confundir as pontuações de Griffith com as atracções de Eisenstein é inimaginável. Claro, estamos sujeitos aos programas, mas os alunos têm muito por onde escolher. Fazem o seu próprio caminho. Apreciamos o seu ponto de vista e os seminários servem exactamente para isso: para debater e confrontar.

José, aquilo que fizeste é o que eu aconselho aos meus alunos: vão às sessões dos outros módulos, vão ver o Ford, o Ozu, o Ophuls, o que nós estamos a mostrar esta semana,... Viram um Preminger para o estudarem nesta cadeira e porque não verem os outros na biblioteca, em grupo ou sozinhos. Os filmes estão à vossa espera. O mesmo se passa com os livros e artigos.

Quanto às repostas dos professores e à sua falta de disponibilidade, senti isso na pele quando estudei arquitectura em Lisboa. Penso que é um problema de funcionamento do ensino, ou uma 'tradição'. 90% dos professores que tive nitidamente preferiam estar noutro sítio a fazer outra coisa em vez de nos estar a aturar. Isto é lamentável. Também isso é muito muito diferente aqui. Pelo menos, posso dizer que a paixão abunda e a vontade de a querer transmitir também.

Abraço,

José Oliveira disse...

Sérgio:

obrigado pela resposta, e fico contente em saber que existem zonas neste nosso mundo onde tratam o Cinema e os alunos com seriedade; o cinema como um mundo, uma história, um corpo total e em constante mudança; os alunos como seres apaixonados por algo que lhe bateu tão fundo como nenhuma outra coisa, e que querem fazer coisas...

Cumprimentos

Miguel Domingues disse...

"Claro, estamos sujeitos aos programas, mas os alunos têm muito por onde escolher. Fazem o seu próprio caminho.", diz o Sérgio Dias Branco.

Tive apenas 3 cadeiras de cinema (História do Cinema, Análise Fílmica e Literatura e Cinema), o resto estudei sozinho em casa. Mas deixem-me dizer que o problema que o Sérgio identifica é, em Portugal, comum a todos os cursos. Eu, para tirar aquelas míseras três cadeiras, tive de ficar propositadamente um ano para trás, por modo a arranjar horário e vaga
na cadeira...

De resto, posso dizer que, noutras turmas em que não andei, Literatura e Cinema tinha, no programa dedicado ás questões advindas da adaptação literária, obras como O Paciente Inglês e O Diário de Bridget Jones...

marcelino disse...

Olá :)
no meu segundo ano do curso de cine-video descobri que para fazer cinema não precisaria de curso algum. decidi na mesma acaba-lo e não me arrependi, foram anos reveladores, com muito sofrimento, alegrias, experiencias e quadros cinematograficos :) Levo no coração essencialmente o Ze Alberto, o Serio, O Melo Ferreira porque me fizeram ver o que o cinema é na realidade, uma descoberta constante, uma festa, uma comunhao criativa e vida. Estes amigos contrastavam com ou outros professores que diria com menos visão (não quero empregar a palavra maus porque nem tudo é mau, depende do ponto de vista), com estes também aprendi a ver o outro lado do cinema, do confronto destes dois mundos continuei a minha exploração que ainda continua. Já me zanguei com o cinema muitas vezes, já o amei muitas vezes mas isto continua sempre na descoberta. Lá na ESAP tive acesso a muita coisa que possivelmente demoraria mais tempo "cá fora", aulas como Estetica e Historia de Arte adorei. Foram anos que me fizeram abrir os olhos porque me deixei levar sem rumo, sem expectativas de nada, levo assim a minha vida e quando o Melo nos disse no ultimo dias de aulas com ele, que agora é que o cinema ia começar, que aqueles anos foram apenas uma introdução à introdução, desatei a rir porque já o tinha descoberto no segundo ano, descobri que afinal tinha alguma maturidade e que tinha crescido. Penso que é importante ver bem com profundidade aquilo que se nos apresenta, uma escola é um lugar de desaprendizagem, de descondicionamento, de descanso, de experimentação, de errar muitas vezes, foi o que fiz e não me arrependo, ouvi criticas, "bocas" mas estava a cagar-me para elas, afinal estava a ser sincero comigo mesmo. Ir para uma escola para saber isto ou aquilo ou regras, gramatica, lexico, raccords e afins é estupido, para isso existem livros ou como disse Welles, aprendes a tecnica em 4h o resto é teu (ou algo assim do genero). Agradeço do fundo do coração à minha turma e aos professores acima ciados assim como aos outros porque me fizeram VER e continuo ainda a aprender a ver, até ao tumulo.
um abraço
marcelino

Anónimo disse...

Olá :)
no meu segundo ano do curso de cine-video descobri que para fazer cinema não precisaria de curso algum. decidi na mesma acaba-lo e não me arrependi, foram anos reveladores, com muito sofrimento, alegrias, experiencias e quadros cinematograficos :) Levo no coração essencialmente o Ze Alberto, o Serio, O Melo Ferreira porque me fizeram ver o que o cinema é na realidade, uma descoberta constante, uma festa, uma comunhao criativa e vida. Estes amigos contrastavam com ou outros professores que diria com menos visão (não quero empregar a palavra maus porque nem tudo é mau, depende do ponto de vista), com estes também aprendi a ver o outro lado do cinema, do confronto destes dois mundos continuei a minha exploração que ainda continua. Já me zanguei com o cinema muitas vezes, já o amei muitas vezes mas isto continua sempre na descoberta. Lá na ESAP tive acesso a muita coisa que possivelmente demoraria mais tempo "cá fora", aulas como Estetica e Historia de Arte adorei. Foram anos que me fizeram abrir os olhos porque me deixei levar sem rumo, sem expectativas de nada, levo assim a minha vida e quando o Melo nos disse no ultimo dias de aulas com ele, que agora é que o cinema ia começar, que aqueles anos foram apenas uma introdução à introdução, desatei a rir porque já o tinha descoberto no segundo ano, descobri que afinal tinha alguma maturidade e que tinha crescido. Penso que é importante ver bem com profundidade aquilo que se nos apresenta, uma escola é um lugar de desaprendizagem, de descondicionamento, de descanso, de experimentação, de errar muitas vezes, foi o que fiz e não me arrependo, ouvi criticas, "bocas" mas estava a cagar-me para elas, afinal estava a ser sincero comigo mesmo. Ir para uma escola para saber isto ou aquilo ou regras, gramatica, lexico, raccords e afins é estupido, para isso existem livros ou como disse Welles, aprendes a tecnica em 4h o resto é teu (ou algo assim do genero). Agradeço do fundo do coração à minha turma e aos professores acima ciados assim como aos outros porque me fizeram VER e continuo ainda a aprender a ver, até ao tumulo.
um abraço
marcelino