quarta-feira, 2 de abril de 2008

…o primeiro kiarostami


…nunca se esquece. E no meu caso a 1º coisa que vi do homem a quem Godard se referiu como o último dos cineastas, ou Scorsese como o ponto máximo da criação artística, foi mesmo a fabulosa primeira longa-metragem – Mossafer de 1974.
História mais que simples: um rapaz, apanhado por futebol, faz tudo para juntar dinheiro que lhe permita ver um jogo de noutra cidade.
Rouba, mente, esconde, etc…juntamente com o amigo de infância, sempre o amigo de infância.
E já aqui estão grande parte dos temas e influências que irão serenamente explodir em monumentos como Close Up ou A Taste of Cherry, ou…
Começando por um Irão em profunda flutuação, a todos os níveis, não só económicos, como relacionais, familiares, culturais, etc…até á questão do tempo, a difícil tarefa de filmar o que está ao lado.
O tempo e a surdina, pois cinzelado pelo fabuloso preto e branco da autoria do senhor Ali Reza Zarrindast, o filme é de uma descrição e de uma humildade enorme.
Então já aqui temos as três principais referências do cineasta Iraniano: o Japonês Yasujiro Ozu, na questão do tempo que vale por si, na duração, o filmar de eclosões que muitas vezes estão em off no que ao quadro diz respeito, ou interiorizadas no humano, etc…
Robert Bresson e toda a sua nova concepção do cinematógrafo, um minimalismo que paradoxalmente tudo revela, tudo dá a sentir. A forma como kiarostami orquestra as clandestinidades dos putos ligadas com o protesto e a ordem familiar já é qualquer coisa que fere e que se desprende da simples citação. Cinema como arte de ligar imagens e blocos singulares ao bolo.
Por ultimo a vertente eminentemente neo-realista que varre todo o filme, nada é maquiado, não há tinta-da-china, há sim uma realidade que está lá e que não precisa de ser modificada. É feio por vezes, mas a maneira como irrompe poesia do que está lá, literalmente, é comovente, e aqueles jogos de futebol, a maneira como o Iraniano capta tudo, de uma maneira servil e despretensiosa só pode fazer lembrar Rossellini ou De Sica, tantas vezes visto, prodigiosamente reiventado no país de Kiarostami.
Nos limites, ou bem visível, está também aqui, na parte final, o tal toque Hitchcock que Jorge Silva Melo refere a propósito da cena em que o farsante realizador é identificado em Close-Up.
Muito, muito simples: será que os dois rapazes vão chegar a tempo para ver a bola.
Prodígio de suspense, com relógio e tudo, gritaria em off, olhares inocentes, poética sublime. É já uma obra-prima.

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